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TJ-GO rejeita ação de improbidade com base em regra da nova LIA
Com a aplicação imediata da nova Lei de Improbidade Administrativa (LIA) aos casos em andamento, de acordo com tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal, as condutas dos réus precisam se enquadrar em uma das hipóteses da lista (agora taxativa) de atos de improbidade que atentam contra os princípios da administração pública, prevista no artigo 11 da norma.
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Nova LIA transformou lista do artigo 11 em taxativa e revogou inciso I
Assim, a 5ª Turma Julgadora da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Goiás rejeitou uma ação contra uma empresa e quatro pessoas por improbidade administrativa.
O Ministério Público estadual buscava a condenação por dispensa indevida de licitação. O órgão atribuía aos réus a prática de “ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência”, como previsto na antiga redação do inciso I do artigo 11 da LIA original, de 1992.
Mas a defesa, feita pelos advogados Dyogo Crosara e Heitor Simon, lembrou que a nova LIA aboliu esse inciso e transformou a lista do artigo 11 em taxativa — ou seja, somente as condutas previstas nos demais incisos configuram ato de improbidade na modalidade de lesão a princípios da administração pública.
A 5ª Vara de Fazenda Pública de Goiânia concordou e rejeitou a ação, sem constatar indícios da prática de atos de improbidade. No TJ-GO, o juiz substituto Ricardo Luiz Nicoli, relator do caso, também acolheu a argumentação da defesa.
O magistrado argumentou que o STF, em 2022, decidiu que a nova LIA — exceto em suas previsões quanto a prazos prescricionais — se aplica aos processos em curso, salvo aqueles com condenação transitada em julgado.
Segundo ele, embora os réus tenham sido “negligentes quanto à realização do procedimento correto para a inexigibilidade de licitação”, não há ato de improbidade.
Além da revogação do inciso I, Nicoli destacou a falta de comprovação da prática de sobrepreço, de pagamentos sem contraprestação ou de algo que causasse efetivo prejuízo aos cofres públicos._
Exame criminológico é inviável e vai barrar progressões de regime, afirmam criminalistas
A recém-sancionada Lei 14.843/2024, fruto de um projeto do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), virou assunto nacional e gerou críticas por restringir a saída temporária de presos, a popular “saidinha”. E um outro ponto da norma também vem causando descontentamento no meio jurídico: a exigência do exame criminológico para a progressão de regime prisional em todos os casos.
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Nova lei exige exame criminológico para autorizar progressão de regime
Estudiosos do assunto consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico entendem que o Estado não terá condições de promover todos os exames e dizem que eles são pseudocientíficos e usados, na prática, para prolongar a estadia dos condenados na cadeia.
O exame consiste em uma avaliação psicológica que decide se o detento tem chances de voltar a cometer crimes caso passe para o regime semiaberto ou o aberto.
Um trecho específico sobre a progressão ao regime aberto diz que o condenado precisa apresentar “fundados indícios de que irá ajustar-se, com autodisciplina, baixa periculosidade e senso de responsabilidade, ao novo regime”.
Antes da nova lei, o exame criminológico podia ser estipulado pelo juiz conforme as peculiaridades do caso, desde que a decisão fosse devidamente motivada. O teste era obrigatório para a progressão de regime até 2003. Tal regra foi extinta naquele ano pela Lei 10.792.
Sem condições
O advogado criminalista Alberto Zacharias Toron lembra que a obrigatoriedade foi extinta em 2003 porque “o Estado brasileiro não tinha condições de, em um tempo razoável, realizar esses exames”.
Isso também é ressaltado pelo criminalista Cristiano Maronna, diretor do Justa, centro de pesquisa que atua no campo da economia da Justiça. Segundo ele, o exame criminológico é caro e “o Estado não tinha condição” de fornecê-lo.
Para Toron, o Congresso teve agora uma “atitude demagógica” e reeditou o “populismo penal”. O advogado classifica a Lei 14.843/2024 como um “retrocesso”, pois considera que é desnecessário fazer o exame criminológico em todos os casos. Além disso, “o Estado brasileiro também não se aparelhou” para promover os exames “em tempo breve”.
Cássio Thyone, membro do conselho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e perito aposentado da Polícia Civil do Distrito Federal, não sabe dizer como a nova lei vai ser aplicada. Segundo ele, para a exigência sair do papel, o governo precisaria ter “vontade política” para disponibilizar o exame.
Na sua visão, “faz todo o sentido discutir se o Estado é capaz de cumprir o que ele próprio estipulou em uma lei como essa”.
Hoje, o país não tem “condições logísticas para atender à demanda de realização de todos os exames criminológicos”, segundo Thyone. Ele lembra que o Brasil já possui uma demanda represada de exames.
Thyone ressalta que o teste “não é feito a toque de caixa”, pois não se trata de apenas preencher um formulário. Os psiquiatras e psicólogos forenses precisam fazer várias entrevistas e aplicar questionários aos condenados.
Números
Uma nota técnica elaborada por 69 organizações — entre elas o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP-SP), a seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP) e Defensorias Públicas de 17 estados — avaliou as prováveis consequências da exigência com base em dados oficiais.
As entidades apontam que a imposição trará um impacto orçamentário enorme para a União e os estados, que precisarão contratar profissionais. Ou seja, “a restituição do exame criminológico como obrigação para progressão de regime vai onerar o Estado”, conforme aponta Maronna.
A Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo (SAP-SP), por exemplo, conta hoje com apenas 230 agentes técnicos de assistência à saúde nas suas unidades prisionais. A população carcerária paulista é de cerca de 200 mil pessoas, das quais aproximadamente 46,8 mil progrediram de regime em 2022.
De acordo com a SAP-SP, cada exame criminológico custa R$ 649 aos cofres públicos. O valor diz respeito apenas à remuneração dos profissionais credenciados, sem contar os gastos com recursos materiais.
Conforme os cálculos das organizações signatárias da nota técnica, caso a Lei 14.843/2024 já estivesse em vigor em 2022, São Paulo teria gastado mais de R$ 30 milhões somente para fazer o exame prévio a todas as progressões.
E esse valor é uma estimativa mínima, pois não considera os gastos excedentes dos casos nos quais o exame tenha de ser repetido devido à negativa da progressão de regime.
Dados do Tribunal de Justiça de São Paulo mostram que, em 2023, foram autuados aproximadamente 102 mil pedidos de progressão de regime no estado (concedidos ou não). Pela projeção das entidades, se a nova lei já estivesse em vigor no ano passado, o gasto com os exames teria sido superior a R$ 66 milhões. Esse número é seis vezes maior do que todo o orçamento de políticas estaduais para egressos do sistema prisional.
A conclusão das organizações é que a norma gera despesas obrigatórias sem previsão no orçamento, o que é inconstitucional. Durante sua tramitação no Congresso, o texto não foi acompanhado de uma estimativa de impacto orçamentário e financeiro, ou mesmo de uma previsão de origem dos recursos.
Segundo o defensor público Bruno Shimizu, doutor em Criminologia e diretor do IBCCRIM, a nova regra compromete “as equipes técnicas, com sacrifício de outros investimentos públicos mais relevantes”.
Maronna diz que a exigência torna “o sistema progressivo no cumprimento das penas privativas de liberdade ainda mais problemático, porque dependente desse exame que o Estado não tem condição de bancar”.
Trancafiados por mais tempo
Há ainda a previsão de aumento da população carcerária e da demanda por vagas, já que os processos devem tramitar de forma mais lenta enquanto os exames não são feitos.
“Na prática, o exame é apenas um expediente protelatório no processo de execução, que atrasa os processos e consome recursos públicos”, pontua Shimizu.
Alberto Toron lembra que, antes de 2003, a exigência era “um meio que se tinha para manter o preso no regime mais constritivo por mais tempo do que a lei permitia, como se fosse um expediente extrapenal, ligado à deficiência do Estado desaparelhado para realização desses exames”.
De acordo com Maronna, “tudo aquilo que dependia do exame criminológico acabava ficando atrasado, porque o Estado não conseguia fornecer profissionais responsáveis pela elaboração desse exame”.
Com o retorno da regra, segundo Toron, os presos vão “ficar mais tempo na fila aguardando a progressão do regime prisional por conta da deficiência do Estado”.
Isso vai causar, na visão de Maronna, uma “dificuldade de acesso a direitos por parte dos presos, que já são uma parcela da população vitimada pela negação de direitos”. E Toron prevê que haverá “uma enxurrada de Habeas Corpus” para questionar a permanência dos detentos no regime mais grave, “porque isso representa um constrangimento ilegal”.
Já para Maronna, o impacto vai além da diminuição do número de presos que progredirão de regime. Ele também vê como consequência “a piora da disciplina no sistema prisional” e o provável aumento de rebeliões e motins nas prisões.
Pseudociência
“A alteração legal, sem qualquer estudo de impacto financeiro ou humano, insiste na alocação de recursos para a realização de exame pseudocientífico”, assinala Shimizu.
Ele recorda que o Conselho Federal de Psicologia (CFP) e o Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) têm manifestações que apontam a “imprestabilidade” do exame criminológico “para a previsão de eventual reincidência”.
De acordo com a nota técnica das 69 entidades, a nova lei vai comprometer a função primordial das equipes técnicas prisionais, que é a atenção psicossocial aos presos e seus familiares.
Cristiano Maronna afirma que o exame é “uma tentativa de identificar práticas futuras de crime”. Isso não tem base científica, pois é “muito difícil” prever se alguém vai ou não voltar a praticar crimes.
Já o criminalista Aury Lopes Jr., professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), diz que a nova lei é um “retrocesso” e um “erro histórico que já experimentamos e não deu certo”.
Para além da falta de estrutura do Estado, Lopes Jr. destaca que “toda e qualquer avaliação sobre a personalidade de alguém é inquisitiva”, pois estabelece “juízos sobre a interioridade do agente que não são comprováveis e tampouco refutáveis”.
Essa avaliação “também é autoritária, devido às concepções naturalistas em relação ao sujeito autor do fato criminoso”.
Ele ainda considera que o exame criminológico é “juridicamente imprestável” e “incompatível com o sistema de garantias previsto na Constituição”.
“Como me defender do argumento de que sou ‘perigoso’?”, indaga o criminalista. “Ou que tenho ‘tendência criminosa’? Que minha personalidade é desviada?”.
Missão impossível
Segundo Lopes Jr., é impossível “entrar na cabeça” de alguém e avaliar sua personalidade, seu caráter e suas perspectivas de futuro para decidir sobre a progressão de regime.
O advogado ressalta que a Psicologia e a Psiquiatria “se destinam a contribuir para que as pessoas vivam melhor, tenham melhores condições de vida, administrem suas patologias e ansiedades, de forma a reduzir danos”. Tais áreas do conhecimento nunca tiveram o objetivo de ser usadas para punir alguém ou aumentar seu tempo na cadeia.
“O Direito se apropria do discurso clínico para, sem elementos objetivos e concretos e distorcendo o conhecimento clínico, punir mais severamente”, pontua o criminalista.
Há ainda o problema do silêncio durante o exame. Lopes Jr. aponta que a avaliação pode “extrair efeitos negativos pelo exercício do direito de silêncio”.
Isso não deveria acontecer, já que o condenado não é obrigado a colaborar ou a falar. Ou seja, o direito de se calar não pode trazer “prejuízo jurídico para o agente”.
Mas, segundo o criminalista, no sistema carcerário “ainda dominam a inquisição e a velha culpa judaico-cristã”. Na prisão, o condenado é incentivado a reconhecer o erro e se arrepender do mal praticado, “pois só assim salvará sua alma do inferno”._
Volume de prisões preventivas mantém execução antecipada viva no Brasil
A Turma Recursal Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo concedeu Habeas Corpus a um estudante de educação física que estava sendo investigado por suposto exercício ilegal da profissão. A decisão trancou a acusação criminal.
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Estudante fazia estágio em academia de ginástica
O estudante exercia a função de estagiário dentro de uma academia de ginástica, sob supervisão. Em fiscalização, o Conselho de Educação Física considerou que o estagiário estaria exercendo ilegalmente a profissão de educador físico, pois não tinha inscrição no Conselho para exercer o estágio.
O Ministério Público do estado de São Paulo requereu a instauração de procedimento para apuração do caso. Foi formalizado um acordo entre o réu e o Ministério Público, consistindo no pagamento de R$ 1.412 em multa.
Um grupo de advogados, no entanto, entrou com pedido de Habeas Corpus em favor de Pereira, alegando que o estudante estava sofrendo coação ilegal em razão da atipicidade da conduta.
Segundo os impetrantes, o jovem estava fazendo um estágio devidamente autorizado pela universidade e supervisionado por um profissional habilitado, não havendo ilegalidade em suas atividades.
A defesa ressaltou que o Conselho Regional de Educação Física não exige a inscrição no conselho para exercer as funções de estagiário, e que a situação do cliente estava regular perante a faculdade.
Com base na atipicidade da conduta, o relator do caso, Jurandir de Abreu Júnior, votou por revogar o acordo de transação penal anteriormente firmado e determinar o arquivamento do termo circunstanciado. A decisão foi unânime.
A sentença foi fundamentada na inexistência de indícios de autoria e prova da materialidade delitiva, conforme os princípios legais. O pedido de HC foi impetrado por advogados dos escritórios Stuque, Freitas e Ficher e Alamiro Velludo Salvador Netto._
Discurso de proteção pode camuflar interesses econômicos, diz Streck
A defesa da diminuição das áreas agricultáveis no Brasil por parte da comunidade internacional pode camuflar interesses econômicos (e protecionistas) de parte das nações desenvolvidas.
Uarlen Valerio/CFOABLenio Streck em painel sobre democracia e populismo na 24ª Conferência da Advocacia
Streck afirma que a proteção neocolonial tem por trás interesses econômicos
Esse fenômeno, que Blanco de Morais batizou de “neocolonialismo”, foi comentado pelo advogado e professor Lenio Streck em entrevista exclusiva à revista eletrônica Consultor Jurídico.
Segundo ele, é legítimo que a França, por exemplo, queira defender seus próprios interesses e proteger o mercado interno da agricultura, mas esse protecionismo não pode se esconder por trás do discurso da proteção ambiental no Brasil.
“A grande questão é qual o tamanho das aspas que se coloca nesse conceito de proteção. Uma proteção neocolonial tem por trás interesses econômicos que, uma vez explicitados, abririam uma nova dimensão ao debate sobre essa pretensa proteção ao meio ambiente”, refletiu Streck.
“E países como o nosso precisam estar muito atentos, porque estão em jogo questões ligadas à soberania e ao nosso grande tesouro, que é o território, e o que esse território produz. É nisso que nós temos de apostar agora.”
Arcabouço normativo
Lenio Streck aponta que o arcabouço normativo que garante a soberania do território brasileiro está “todo pendurado” no artigo 190 da Constituição, que determina que a lei vai limitar a aquisição ou o arrendamento de propriedade rural por estrangeiros. A questão está regulamentada na Lei 5.709/1971.
“O que se tem, principalmente, é a limitação de compra de terras por estrangeiros”, explica. Essas medidas são importantes para que as terras do país não sejam alienadas, especialmente em um momento em que o mundo inteiro precisa cada vez mais de alimentos.
Investimentos estrangeiros
A limitação, que é diferente do veto, é o que garante que não sejam afastados investimentos estrangeiros. Na verdade, Streck defende que os investimentos estrangeiros se concentrem em áreas que não sejam críticas para a soberania do país.
O princípio da soberania deve se sobrepor às vantagens econômicas, segundo ele. “O Direito vale mais do que a análise econômica, evidentemente”.
Ele compara a análise econômica ao canto das sereias, que enfetiçam homens na Odisseia. Odisseu pede que seus companheiros o amarrem ao mastro e não obedeçam a nenhuma ordem posterior sua, porque disso depende a sobrevivência de todos.
“As sereias são as maiorias. São os desejos morais, a análise econômica, às vezes a análise política. Mas o Direito tem de permanecer firme”, conclama._
STF reconhece repercussão geral de caso sobre pensão para filha trans de militar
O Plenário do Supremo Tribunal Federal formou maioria para reconhecer a repercussão geral de um caso que discute o pagamento de pensão militar para filha trans cuja alteração de registro civil ocorreu após a morte do servidor. A análise se encerra de forma oficial nesta sexta-feira (19/4).
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Filha só alterou registro civil após a morte do pai militar
Com a repercussão geral reconhecida, o STF ainda precisa decidir se a pensão por morte voltada a filha maior solteira também vale para mulheres transexuais que alteraram o registro civil após a morte do servidor.
O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo, votou para reconhecer a repercussão geral do caso. Até o momento, ele foi acompanhado por Luiz Edson Fachin, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes.
Para ele, é necessário determinar se, em casos do tipo, o recebimento “pode ser condicionado à modificação do registro antes do óbito” do servidor ou instituidor da pensão.
O Supremo decidiu, em duas ocasiões, que pessoas trans podem alterar o pronome e a classificação de gênero no registro civil, independentemente de decisão judicial ou procedimento cirúrgico.
Mas, segundo Barroso, a Corte não ainda não tratou das consequências da alteração de registro no que diz respeito à “fruição de direitos”, nem à “repercussão sobre situações previamente constituídas”.
“Em relação à concessão de direitos previdenciários, não há uniformidade de tratamento pelos tribunais sobre a natureza constitutiva ou declaratória do ato de alteração de registro civil pela pessoa transexual”, destacou o presidente do STF.
Caso concreto
O caso analisado pelo Supremo envolve uma mulher transexual, filha de um militar da Marinha morto em 1998. A pensão foi concedida a ela enquanto menor de idade, a partir dos 11 anos. Em 2008, o benefício foi cortado.
O pedido para manter o pagamento foi rejeitado nas instâncias inferiores. O argumento é que, na época da morte do pai, ela ainda não havia alterado o seu registro civil. A alteração de registro por pessoas trans só foi autorizada pelo STF em 2018.
No recurso, a defesa da mulher afirma que negar direitos afeta princípios constitucionais, como a dignidade da pessoa humana, igualdade de gênero e a promoção do bem de todos, sem preconceito e discriminação._
Congresso Nacional deve regular as redes, mas legislação atual já pode ser aplicada, afirma Dias Toffoli
O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, afirmou em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico e ao Anuário da Justiça Brasil 2024 que o uso de novas tecnologias exige que o Congresso Nacional regule as redes sociais, ainda que a legislação atual já permita a punição de quem causa prejuízo a terceiros, mesmo que em meio virtual.
“É evidente que o Congresso precisa regular o ecossistema virtual, muito embora eu entenda que a legislação atual pode ser aplicada a ele. O próprio Código Civil deixa claro que, se alguém causa prejuízo a outrem, a pessoa é responsável por reparar esse prejuízo. Se o prejuízo se deu pela utilização de meios virtuais, o direito à indenização é cabível e a reparação é devida”, disse o magistrado.
Na avaliação do ministro, o Tribunal Superior Eleitoral fez bem em avançar no assunto ao aprovar resoluções que endurecem o combate à desinformação, às fake news e ao uso ilícito da inteligência artificial. No entanto, o ideal, segundo Toffoli, é que a deliberação sobre o tema parta do Congresso.
“A Justiça Eleitoral fez bem em avançar nisso, porque temos elementos e fundamentos para fazê-lo. Mas o ideal é que o Congresso Nacional venha a regrar isso de maneira mais específica.”
Toffoli é relator da ação que discute a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que condiciona a responsabilização civil das plataformas por danos causados por conteúdos de terceiros a uma ordem judicial prévia. A análise foi liberada para julgamento e deve ser analisada até junho.
Assim como na regulação das redes, o ministro afirma que na chamada “pauta de costumes” a deliberação sobre temas complexos deve partir do Legislativo, com a participação do Executivo quando houver a necessidade de adoção de políticas públicas.
“Nesses temas, como drogas, aborto e pautas de costume em geral, sempre tive uma posição mais conservadora. São temas para o Congresso Nacional deliberar e que também demandam políticas públicas.”
Durante a entrevista, o ministro também falou sobre o Plenário Virtual do Supremo. Segundo ele, o modelo permite que decisões monocráticas sejam imediatamente referendadas pelo colegiado.
“No que diz respeito ao Supremo Tribunal Federal, não existe mais liminar monocrática, porque ela é levada automaticamente para o Plenário Virtual. Entendo que em outros tribunais isso tem de ser aplicado também. O referendo de liminares não pode ficar a critério do relator.”
Leia a seguir a entrevista:
ConJur — Como conciliar a necessidade de julgar casos sensíveis da pauta de costumes com a possibilidade de que o Congresso reaja de forma contrária?
Dias Toffoli — Nesses temas, como drogas, aborto e pautas de costume em geral, sempre tive uma posição mais conservadora. São temas para o Congresso Nacional deliberar e que também demandam políticas públicas. No que diz respeito, por exemplo, à questão das drogas: Quem as vai comercializar? Quais são os parâmetros? O alcance desse tema é mais amplo do que o de uma decisão pontual do Poder Judiciário. É algo que tem de vir acompanhado de políticas públicas, do envolvimento do Congresso, do Executivo e dos órgãos de regulação, como a Anvisa.
ConJur — Há muitos dispositivos da Constituição ainda não regulamentados. O que o senhor pensa da afirmação de que não legislar também é uma opção política?
Dias Toffoli — É, de fato, uma decisão política. Mas, evidentemente, se a omissão afronta um princípio constitucional, o Judiciário, não só o Supremo, mas o sistema de Justiça, pode ser acionado. Nossa Constituição é muito extensa. E, ao longo dos anos, já houve mais de 110 emendas constitucionais. Então, são dezenas e dezenas de emendas colocando mais texto na Constituição. Com isso, se problematiza juridicamente, e, em consequência, judicialmente, a vida humana.
ConJur — Houve julgamentos em que o Supremo deu decisões contrárias ao STJ — sobre, por exemplo, base de cálculo do ICMS, invasão policial a domicílio e execução de multa penal. De que forma essa zona de penumbra afeta a segurança jurídica e a formação de precedentes?
Dias Toffoli — Sempre tenho votado em prol de que a segurança jurídica das decisões do STJ seja preservada. Votei nesse sentido, por exemplo, no caso em que se discutem os efeitos da coisa julgada diante de uma declaração de inconstitucionalidade do Supremo Tribunal Federal. Discutimos até quando retroagiria essa possibilidade dos efeitos de uma declaração de inconstitucionalidade atingindo coisa julgada. O que defendo é a necessidade de se respeitar a posição do STJ, se isso for possível.
Quando fui presidente do Supremo, para diminuir essa zona de penumbra, definimos que, assim que se julgasse algum recurso repetitivo no STJ e houvesse um recurso extraordinário, haveria uma adequação para que o caso fosse analisado no Supremo o mais rápido possível. Fizemos isso também com outras cortes superiores. E as gestões seguintes aprimoraram isso. Então, creio que essa zona de penumbra, com o tempo, vai diminuir. Cheguei a ver casos em que, depois de 15 anos de uma decisão do STJ, o Supremo decidia em outro sentido. De fato, isso gera um efeito negativo. É necessário diminuir o tempo entre decisões do STJ, que também geram precedentes para todo o país no que diz respeito à interpretação da lei federal e das decisões do STF. O que temos de fazer? Um sistema mais eficiente. E estamos fazendo isso.
ConJur — Qual é o papel da Justiça do Trabalho em um país que caminha para a flexibilização das relações de emprego?
Dias Toffoli — Quando fui presidente do Supremo e do CNJ, eu visitei todos os tribunais do Brasil, inclusive os 24 Tribunais Regionais do Trabalho. Na pandemia, houve também reuniões por videoconferência. Sempre disse à Justiça do Trabalho que ela é uma Justiça necessária em um país com tanta desigualdade. Mesmo no contexto de flexibilização das relações de trabalho, esse ramo especializado da Justiça continua a ser muito importante para evitar a exploração dos trabalhadores.
Mas eu também sempre apontei aos magistrados do Trabalho que a defesa social que descamba para o protecionismo acaba por prejudicar o trabalhador, fomentando, inclusive, movimentos no Congresso Nacional pela extinção da Justiça do Trabalho ou por sua fusão com a Justiça Federal. Em suma, a Justiça do Trabalho é importante e necessária, mas ela tem de ter consciência de que o protecionismo causa mais prejuízos do que benefícios à pacificação das relações sociais de trabalho, à geração de empregos e ao desenvolvimento nacional.
ConJur — Mas se não houver um certo nível de protecionismo, não é possível que as novas relações de trabalho criem problemas sociais e previdenciários no futuro, e que essas questões também acabem chegando ao Judiciário?
Dias Toffoli — O autônomo pode contribuir para a Previdência Social. Um magistrado que entra hoje na carreira se aposenta pelo teto do INSS. Ele não tem paridade. Se ele quiser outro benefício, ele tem de aderir a um fundo privado. O magistrado hoje — e todo mundo fala em privilégios — está submetido ao mesmo teto do INSS dos outros trabalhadores. E, como qualquer cidadão, se quiser aderir a uma aposentadoria complementar, de fundos privados, poderá fazê-lo. Então, essas novas formas de trabalho e de relação entre o capital e o trabalho têm um sistema de previdência social e de proteção. É evidente que a legislação poderá atendê-las. Há hoje, por exemplo, discussões envolvendo os entregadores de aplicativos em andamento no Congresso Nacional.
ConJur — Recentemente, o advogado criminalista Antonio Cláudio Mariz de Oliveira afirmou que exercer o direito de defesa hoje está mais difícil do que na época da “lava jato”, e que entre as dificuldades estão os julgamentos no Plenário Virtual e o excesso de decisões monocráticas. O que o senhor pensa dessa crítica? E quais as vantagens e desvantagens do Plenário Virtual?
Dias Toffoli — No que diz respeito às decisões monocráticas e colegiadas, o Supremo prolatou em média, nos últimos cinco anos, em torno de 15 mil decisões colegiadas por ano. Em 2023, foram proferidas 105.607 decisões. Delas, 87.417 (83%) foram monocráticas e 18.190 (17%) foram colegiadas. Como destacou o ministro presidente, Roberto Barroso, na última sessão de 2023, ‘é materialmente impossível que tudo seja analisado colegiadamente, devido ao número de ações que chegam ao tribunal todos os anos’.
Se compararmos a realidade do Supremo Tribunal Federal com a da Suprema Corte dos Estados Unidos, veremos que aquela corte julga cerca de cem casos por ano. O tribunal análogo alemão julga cerca de 90 casos por ano. Não há país que julgue mais do que o Brasil, o que inclui todas as instâncias. O número médio de decisões de um juiz de primeira instância no Brasil é de 7,5 mil por ano. Em Portugal, é de 900. Na Alemanha, 750. Então, há uma crítica que generaliza e banaliza uma importante instituição de pacificação social que, ao fim e ao cabo, garante os direitos das pessoas em nosso país e que foi fundamental para a defesa da democracia.
Em relação ao Plenário Virtual, a crítica procede em parte. Eu já disse publicamente, inclusive em sessão do Supremo, que o sistema virtual de muitos tribunais não tem transparência, porque o voto não é aberto e só se sabe o resultado do julgamento depois que a sessão termina. E a sessão virtual tem de ser igual à sessão presencial. A Constituição deixa claro que há de haver sessões públicas e transparentes. Então, tal qual a sessão presencial no Plenário físico, o Plenário Virtual deve ter transparência. Eu dei uma entrevista para a ConJur assim que tomei posse, em outubro de 2009, em que eu falei que o Plenário Virtual do STF devia ser ampliado e passar a abranger outros tipos de processo, além daqueles com repercussão geral. Isso foi feito aos poucos. Quando tomei posse como presidente do STF, determinei ao setor de Tecnologia da Informação que estabelecesse um sistema virtual em que o advogado lançasse sua sustentação oral e os ministros passassem por ela antes de votar. Determinei também que os votos fossem transparentes, com a possibilidade de o advogado levantar esclarecimentos de matéria de fato no período de seis dias úteis desde o julgamento virtual.
Então, no Supremo, os julgamentos virtuais são extremamente transparentes, com o direito de defesa garantido, sendo a votação pública. No que diz respeito aos outros tribunais, deve haver um plenário igual ao do Supremo. Inclusive já sugeri ao presidente do CNJ que transformasse nosso regramento de Plenário Virtual em uma resolução nacional, dando um prazo para a adaptação dos demais tribunais. Em resumo, as críticas procedem em relação aos tribunais que não têm transparência.
ConJur — As decisões monocráticas também são criticadas. O Plenário Virtual é um meio de diminuir a quantidade de decisões individuais? E ele veio para ficar?
Dias Toffoli — Em minha gestão, apresentei, juntamente com os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, proposições para que as liminares fossem submetidas imediatamente a referendo do colegiado e para que houvesse prazo de devolução para pedidos de vista. Essas proposições foram aprovadas na gestão da ministra Rosa Weber. No que diz respeito ao Supremo Tribunal Federal, não existe mais liminar monocrática, porque ela é levada automaticamente para o Plenário Virtual. Entendo que em outros tribunais isso tem de ser aplicado também. O referendo de liminares não pode ficar a critério do relator. Isso que o STF faz devia ser expandido pelo Congresso Nacional ou pelo CNJ para todos os tribunais do Brasil.
ConJur — O que o senhor espera do uso da inteligência artificial pelo Judiciário?
Dias Toffoli — Ela será muito útil para fins de pesquisa de precedentes, de análises estatísticas, de localização de temas e de auxílio do magistrado na elaboração de suas decisões. Mas é importante destacar que a inteligência artificial nunca substituirá o magistrado. Não se descarta sua utilização em acordos extrajudiciais, em que as partes ou os advogados a usem em sistemas de resolução de conflitos alternativos ao Judiciário. Já dentro do Judiciário, ela é mais um sistema de organização e pesquisa do que um processo decisório.
ConJur — É urgente que o Brasil faça a regulação das big techs? De que forma as resoluções do TSE servirão para combater abusos e assegurar a liberdade de expressão nas eleições?
Dias Toffoli — Esse tema é extremamente importante. Recentemente, tive acesso a uma pesquisa realizada por um núcleo da Universidade Federal do Rio de Janeiro mostrando que muitas autoridades e pessoas públicas aparecem, sem saber ou autorizar, em anúncios de grandes plataformas, em que se usam novas tecnologias de manipulação de imagens. Essas plataformas recebem dinheiro por esses anúncios fraudulentos. Então, é evidente que o Congresso precisa regular o ecossistema virtual, muito embora eu entenda que a legislação atual pode ser aplicada a ele. O próprio Código Civil deixa claro que, se alguém causa prejuízo a outrem, a pessoa é responsável por reparar esse prejuízo. Se o prejuízo se deu pela utilização de meios virtuais, o direito à indenização é cabível e a reparação é devida. A Justiça Eleitoral fez bem em avançar nisso, porque temos elementos e fundamentos para fazê-lo. Mas o ideal é que o Congresso Nacional venha a regrar isso de maneira mais específica.
ConJur — São quase 30 milhões de execuções fiscais em andamento, e há um esforço do ministro Barroso para fazer um pente fino nesses processos. A Justiça tem mesmo de fazer esse papel de cobrador? O que acha da portaria do CNJ que extingue as execuções de pequeno valor?
Dias Toffoli — São raros os valores de IPTU que estão acima de R$ 10 mil nos municípios. E as multas por ofensa a legislação municipal são em geral menores do que R$ 10 mil. Então, isso atinge o poder arrecadatório e fiscalizatório dos municípios, que ficam sem um instrumento de cobrança. É evidente que se está pensando em outros instrumentos de recuperação de créditos, como o protesto extrajudicial da dívida ativa, que não são instrumentos de constrangimento direto, no sentido de obrigarem as pessoas a fazer o pagamento. Eu sou cuidadoso nisso. Acho que o Judiciário existe para resolver os problemas. E, se existe o problema, o Judiciário tem de atuar. Então, os números não me assustam.
ConJur — Entre os temas que mais chegam ao Judiciário, estão os pedidos de indenização por danos morais e materiais. E, na área criminal, processos envolvendo violência contra a mulher. Qual diagnóstico pode ser feito com base nesses dados?
Dias Toffoli — Costumo dizer que, se tudo vai parar no Judiciário, é porque a sociedade está sem instrumentos de resolução de seus conflitos. No que diz respeito à violência contra a mulher, antes as estatísticas caíam na vala comum dos registros de violência. Em 2018, eu exerci por três dias a Presidência da República e sancionei a Lei da Importunação e a lei que aumentou penas relativas à Lei Maria da Penha. Hoje, essa violência contra a mulher, que, infelizmente, é estrutural, aparece mais. Ao Judiciário cabe julgar os fatos ocorridos, mas é aos entes da federação (União, estados, Distrito Federal e municípios) que cabe efetivar políticas públicas de educação que debelem a cultura de violência contra a mulher. Sempre dou o exemplo do cigarro. Há 30 anos, as pessoas fumavam no elevador, dentro do carro, em escritórios e repartições públicas. Cerca de 70% da população brasileira fumava. Quando houve política pública contra o tabagismo, o número de fumantes diminuiu. As pessoas se educaram. Fato análogo ocorreu com o cinto de segurança: o número de mortos e acidentados diminuiu com o uso do cinto de segurança.
Quanto aos danos morais e patrimoniais, os números mostram que o brasileiro é exigente quanto a seus direitos: há mais de 80 milhões de processos na Justiça, sendo que o Poder Judiciário julga cerca de 32 milhões de processos por ano.
Hoje o mundo é mais complexo. Não estamos mais em um contexto de povoamento predominantemente rural, como há 50 ou 60 anos. A interação entre pessoas nas cidades é maior do que no campo. Não bastasse isso, nos últimos 15 ou 20 anos, com a chegada das redes sociais, as pessoas passaram a se relacionar, potencialmente, com milhares de outras. Vale lembrar que vivemos em uma sociedade de consumo e que muitas dessas relações dizem respeito ao consumo. É, de certo modo, esperado, portanto, que a complexidade da vida urbana leve a mais demandas por reparação por danos materiais e morais.
ConJur — Como os ministros se orientam com relação ao impacto econômico das decisões do Supremo, como por exemplo no julgamento da “revisão da vida toda”?
Dias Toffoli — Falando por mim, eu me pauto pela lei, mesmo que o caso envolva R$ 500 bilhões, R$ 10 bilhões, R$ 5 bilhões, R$ 1 bilhão ou R$ 10.
ConJur — No julgamento do juiz das garantias, os ministros citaram bastante o modelo per curiam, em que as decisões são formuladas mais com base em consensos. E, de fato, a análise andou dessa forma, com muitos reajustes de voto. De lá para cá, isso aconteceu em muitos outros julgamentos. Há uma tendência para que mais análises ocorram dessa forma?
Dias Toffoli — Per curiam, literalmente, é quando dois ou mais juízes assinam um mesmo voto antes do início do julgamento e apresentam esse voto em conjunto. O que tem acontecido mais corriqueiramente no tribunal é a busca do consenso. A gente fala em per curiam porque estamos procurando consensos. Mas, no caso do tribunal, os consensos têm sido construídos durantes os julgamentos. Mas isso sempre foi assim no Supremo. Não é novidade._
Excesso de judicialização criou cidadão de segunda classe, diz Lenio Streck
Quando todas as questões da vida em sociedade acabam no Poder Judiciário, o resultado não pode ser outro que não uma “sociedade de litigiosidade”, em que o cidadão, paradoxalmente, fica em segundo plano. E por vontade própria, já que ele mesmo delega ao Judiciário a resolução de todos os seus problemas.
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Lenio Streck critica o excesso de judicialização da vida brasileira
Esse impasse é apontado pelo constitucionalista Lenio Streck, que, em entrevista exclusiva à revista eletrônica Consultor Jurídico, analisou as causas e as consequências do inchaço do Poder Judiciário na vida cívica brasileira nas últimas décadas.
Ele cita o ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça, para explicar que as grandes empresas usam o Judiciário como um call center — em vez de resolver os problemas dos seus consumidores, elas esperam ser obrigadas a isso por decisão judicial.
Streck dá um exemplo: “O sujeito só tem um ponto da Net, e quer dois. E a empresa quer cobrar dele. Não sei se deve cobrar ou não. Em vez de tentar resolver diretamente com a Net, ele corre à Defensoria. E a Defensoria já faz uma ação para todos os pontos da Net. A grande questão é que não sei se há um direito fundamental das pessoas a ter o segundo ponto da Net. Não sei se essa é uma discussão que tem de ser feita no plano do Judiciário”.
Segunda classe
É assim, segundo o constitucionalista, que se criam cidadãos de segunda classe: porque os cidadãos parecem insistir em ser tutelados pelo Estado. Mas há o outro lado da moeda, que é o incentivo à judicialização. O próprio crescimento da estrutura do Judiciário incentiva sua utilização mais ampla, e ninguém mais atende às pessoas insatisfeitas se não for por essa via.
“Você liga para uma empresa, tem um robô. Você liga para bancos, ninguém te atende. As pessoas se sentem desamparadas simbolicamente porque as empresas não dão bola. Você vendeu uma mercadoria e eu não consigo falar com você.”
Diante desse abandono, resta o Judiciário, que dá o consolo da existência de uma ação, a ilusão de que alguma coisa está sendo resolvida. É uma forma de “ser gente”, de enfrentar o sistema. “Funciona? Não. Enche. Nós temos 350 milhões de processos”, diz o constitucionalista. “Mas esse é o debate que precisa ser feito pelo Judiciário”, completa._
Concessionária deve indenizar bar que ficou sem energia por três dias
A 30ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a condenação de uma concessionária de energia a pagar por danos morais e materiais a um bar.
FreepikLuz de velas, vela, corte de energia elétrica
Bar em São Paulo ficou três dias sem luz depois de corte indevido feito por concessionária
O estabelecimento teve o fornecimento de energia cortado indevidamente. A empresa alegou que os proprietários estavam inadimplentes, quando eles haviam pago as faturas corretamente. O bar ficou fechado por três dias, o que causou o cancelamento de toda a programação.
O caso aconteceu em 2021. O autor do processo relatou que, durante a visita dos funcionários da concessionária, tentou argumentar para que o fornecimento de energia não fosse interrompido, mas foi surpreendido pelo pedido de propina.
Os autores ainda disseram que precisaram pagar as faturas supostamente abertas por três vezes até que a empresa detectasse o erro e enviasse notas de crédito referentes aos valores pagos em duplicidade.
Em primeira instância, a concessionária foi condenada a pagar o valor de R$ 33,7 mil referente ao período em que o comércio deixou de realizar atividades por falta de energia, e mais R$ 10 mil por danos morais.
A fornecedora de energia apelou, alegando que a interrupção ocorreu diante de manifesta inadimplência da autora, em exercício regular de direito, e que houve devida comunicação sobre o débito pendente e a suspensão do serviço.
A empresa também sustentou que não ocorreram danos extrapatrimoniais, uma vez que não teria havido desdobramentos extraordinários à autora e por se tratar de pessoa jurídica.
O relator do caso, o desembargador Monte Serrat, afirma que a própria fornecedora reconheceu os pagamentos em duplicidade efetuados pela autora e forneceu notas de crédito para devolução dos valores. Por isso, não há como acolher a tese de que agiu em exercício regular de direito. Além disso, diz que o fato de se tratar de pessoa jurídica não afasta a possibilidade de sofrer dano moral.
Assim, o TJ-SP negou o recurso impetrado pela empresa. A causa patrocinada pelo escritório Maricato Advogados._