Justiça determina que empresa de tecnologia desbloqueie músicas de matriz africana
A 42ª Vara Cível Central do Tribunal de Justiça de São Paulo determinou que empresa de tecnologia desbloqueie músicas de matrizes africanas publicadas por usuária e a indenize, por danos morais, em R$ 8 mil.
Freepikbalança dourada sobre fundo preto com pedestal
TJ-SP determinou que empresa de tecnologia desbloqueie músicas de matrizes africanas
De acordo com os autos, a requerente, que é artista, teve duas canções na língua iourubá, fazendo referência à entidade Exú, bloqueadas da plataforma sob a alegação de que teriam violado os termos de uso.
Para o juiz André Augusto Salvador Bezerra, no entanto, o bloqueio do conteúdo impediu que o fazer artístico “divulgasse temática de religiões de matrizes africanas, as quais sobreviveram a despeito de toda intolerância que a população escravizada sofreu por séculos de História do Brasil”.
“É certo que a ré afirma não ter praticado qualquer ilícito. Contudo, apesar de ser poderosa plataforma de rede social, dotada das mais diversas possibilidades tecnológicas para comprovar a irregularidade das condutas com quem contrata, não acostou um único elemento de prova para demonstrar o porquê do bloqueio contra a autora”, escreveu o magistrado.
Ele acrescentou ainda que o cancelamento indevido gerou evidentes ofensas à autoestima “de pessoa que segue religião de matriz africana, tendo sido impedida de homenagear, pelo cantar, entidade essencial a seu saber religioso”. Com informações da assessoria de imprensa do TJ-SP._
CNJ torna uso de IA pelo Judiciário mais burocrático, porém mais seguro
A nova resolução do Conselho Nacional de Justiça sobre a utilização de inteligência artificial (IA) no Judiciário dará mais segurança aos processos de contratação, desenvolvimento, uso e monitoramento de ferramentas que utilizam esse tipo de tecnologia, segundo os especialistas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico sobre o assunto. Eles reconhecem que a norma tornará mais burocrático o uso da IA nos tribunais, mas defendem que isso, embora não pareça, é uma boa notícia.
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CNJ aprovou em fevereiro novas regras para o uso de IA no Poder Judiciário
O Plenário do Conselho aprovou por unanimidade o texto no último dia 18, após receber contribuições por um ano. Elaborado sob a relatoria do conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello, o documento tem por objetivo atualizar a Resolução CNJ 332/2020.
Essa normativa, publicada há cinco anos, estabeleceu diretrizes sobre ética, transparência e governança para o uso de inteligência artificial no Judiciário. A nova resolução dá alguns passos adiante: ela proíbe o uso de sistemas de IA que atribuam valor a traços da personalidade, características ou comportamentos; obriga a indicação de uso dessas ferramentas em decisões; e cria um sistema para classificar a finalidade das IAs entre oito categorias de “baixo risco” e seis de “alto risco”. Além disso, as ferramentas com funções de “alto risco” serão continuamente submetidas a auditorias.
O texto exige transparência, auditabilidade e explicabilidade da IA e obriga os tribunais que adotarem essa tecnologia a capacitar seus funcionários para o uso. A norma também institui o Comitê Nacional de Inteligência Artificial do Judiciário, um colegiado que auxiliará o CNJ a implementar e supervisionar a aplicação das regras.
Entre suas atribuições, estão aprimorar a resolução e as classificações de risco, consolidar padrões de mapeamento de ameaças e vedar ou limitar o uso de IA pelo Judiciário.
O colegiado verificará se os tribunais estão obedecendo as regras e, caso entenda que a classificação de alguma IA está equivocada, poderá corrigir o erro.
Avanços, com segurança
A diferença de teor entre os textos normativos de 2020 e 2025 é explicada pelo contexto em que eles foram elaborados, comenta Renata Azi, sócia do escritório Pessoa & Pessoa Advogados.
“Eles partiram de parâmetros diferentes. A gente não tinha ainda lá em 2020 a utilização de inteligência artificial generativa como a gente tem hoje. A nova resolução tentou justamente acompanhar essa inovação. Como a gente está navegando em águas muito novas, essa burocracia vai trazer um pouco mais de segurança.”
Sócia do Urbano Vitalino Advogados, a especialista em inovação jurídica Mabel Guimarães avalia que a resolução “introduz uma camada de complexidade e exigências que podem ser interpretadas como um aumento da burocracia no desenvolvimento, contratação, uso e monitoramento dessas ferramentas”.
Ela ressalta, no entanto, que isso é menos um entrave do que uma necessidade imposta por desafios éticos, técnicos e sociais. “A burocracia, nesse sentido, pode ser comparada ao que o jurista Hans Kelsen chamaria de ‘normas de controle’ em sua Teoria Pura do Direito: mecanismos essenciais para garantir a validade e a legitimidade do sistema, mesmo que isso implique uma certa perda de eficiência.”
Sócio do Godke Advogados e especialista em Direito Digital e Regulamentação em IA, Alexander Coelho considera que houve avanços em relação à resolução de 2020 e destaca o protagonismo que o texto dá à supervisão humana.
Defensor de um “modelo híbrido”, no qual a IA acelera e melhora a parte processual sem substituir o discernimento e a sensibilidade humanos, ele entende que esse regramento mais rigoroso eleva o nível de segurança e garante o cumprimento da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.853/2019). “É uma burocracia necessária para manter um funcionamento ético das ferramentas.”
Aumento compreensível
O desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina Marcos Fey Probst também diz que é compreensível o aumento do número de normas, considerando o ” singular avanço da inteligência artificial nas relações sociais e econômicas”. Para ele, a resolução é um passo importante para a garantia da ética, da transparência e da governança no uso da IA pela Justiça brasileira.
Recentemente, o magistrado relatou o caso de um recurso feito por meio de IA que citava jurisprudências e doutrinas inventadas. Na ocasião, Probst defendeu que aqueles que operam ferramentas desse tipo precisam ter cautela e parcimônia para evitar a reprodução de informações e fundamentos que não existem.
Apesar dessa experiência ruim, ele diz que a adoção da IA pelo Judiciário é inevitável. “A questão passa pela definição de quais as funções a serem desempenhadas com o auxílio dessas novas ferramentas. Assim como o ‘control C + control V’ não retirou o protagonismo do magistrado no exercício da atividade jurisdicional, as ferramentas de inteligência artificial também não substituirão a interpretação e aplicação da norma pelo magistrado, a partir da realidade de cada caderno processual.”
Mabel Guimarães reafirma que as medidas são fundamentais para “mitigar riscos como vieses discriminatórios, violações de privacidade e falta de responsabilização”, mas ela faz um alerta: as exigências normativas cada vez maiores podem criar alguns entraves.
“Tribunais menores ou com menos recursos podem enfrentar dificuldades para cumprir todas as etapas previstas na resolução, como a realização de auditorias complexas ou a manutenção de equipes multidisciplinares. Isso pode acabar exacerbando desigualdades dentro do próprio sistema judicial, onde tribunais mais estruturados terão condições de implementar as ferramentas de IA de forma mais rápida e eficiente, enquanto outros ficarão para trás.”_
Trabalhador forçado a orar antes do expediente será indenizado
Um trabalhador de uma empresa, em Campo Grande, será indenizado em R$ 5 mil por ter que participar de orações antes do início de sua jornada de trabalho. A decisão de 1º grau foi proferida pela juíza Lais Pahins Duarte, que considerou a prática uma violação à liberdade religiosa e um constrangimento ilegal.
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O trabalhador alegou que era obrigado a chegar mais cedo para participar das orações, realizadas diariamente.
O trabalhador, contratado como assessor de loja, alegou na ação trabalhista que era obrigado a chegar mais cedo do que o previsto em contrato para participar das orações, realizadas diariamente.
Segundo ele, a empresa nunca questionou sua religião ou se ele se sentia confortável com a prática. Em seu depoimento, o preposto da empresa confirmou que havia orações todos os dias, entre 7h e 7h30, e que a participação dos funcionários fazia parte da cultura da empresa. Declarou ainda que, embora o reclamante não participasse das orações, ele sempre estava presente.
Na sentença, a juíza ressaltou que a Constituição Federal assegura o estado laico e a liberdade religiosa, garantido que nenhum cidadão pode ser obrigado a aderir a práticas religiosas contra sua vontade. Além disso, destacou que a exigência da empresa desconsiderava a individualidade dos empregados e impunha uma obrigação que ia além do contrato de trabalho.
Para fixar o valor da indenização, a magistrada levou em conta três fatores: o caráter pedagógico e punitivo da pena, para evitar que a empresa reincida na conduta; a gravidade da ofensa e os danos sofridos pelo trabalhador; e a proporcionalidade em relação ao porte econômico da empresa e à condição financeira do empregado. A decisão ainda cabe recurso. Com informações da assessoria de imprensa do TRT-24._
Requerimento de urgência no Senado: assinatura do líder não pode se misturar com assinaturas dos demais parlamentares?
O Regimento Interno do Senado Federal (Risf) exige um quórum qualificado para apresentação de certas proposições, incluindo o requerimento de urgência, referente à urgência regimental prevista nos artigos 336 a 353 do Risf.
O artigo 336 define os casos em que a urgência regimental poderá ser requerida. Já o artigo 337 estabelece os incidentes regimentais que podem e os que não podem ser dispensados pela urgência aprovada.
Sobre a apresentação do requerimento de urgência, o artigo 338 do Risf define aqueles legitimados para apresentar o requerimento.
“Art. 338. A urgência pode ser proposta:
I – no caso do art. 336,I, pela Mesa, pela maioria dos membros do Senado (41) ou líderes que representem esse número; (grifo nosso)
II – no caso do art. 336, II, por dois terços da composição do Senado (54) ou líderes que representem esse número; (grifo nosso)
III – no caso do art. 336, III, por um quarto da composição do Senado (21) ou líderes que representem esse número; (grifo nosso)
IV – por comissão, nos casos do art. 336, II e III;
V – pela Comissão de Assuntos Econômicos, quando se tratar de pedido de autorização para realizar operações de crédito previstas nos arts. 28 e 33 da Resolução nº 43, de 2001.”
A expressão “ou líderes que representem esse número” pode levar a interpretações equivocadas, pois algumas pessoas interpretam a conjunção “ou” como inclusiva, permitindo a combinação de assinaturas de parlamentares individuais com a de líderes, e seu número de representados, para se chegar ao número regimental exigido. Entretanto, neste caso, o “ou” expressa exclusão, ou seja, a apresentação do requerimento de urgência pode ser subscrito ou por número específico de membros do Senado ou por líderes que representem esse número ou por comissão (ou a Mesa no caso do artigo 336,I).
E por que não podemos misturar a assinatura de líderes com a de parlamentar individual? Por exemplo, por que não podemos juntar a assinatura individual de 10 senadores com a de um líder que representa 11 senadores para apresentar o requerimento de emergência nos termos do artigo 338, III?
A resposta a esse questionamento envolve uma análise gramatical e hermenêutica.
Spacca
Sob o aspecto gramatical, Evanildo Bechara, em sua obra Moderna Gramática Portuguesa, ensina que as conjunções coordenativas alternativas, como o “ou”, ligam duas ou mais unidades coordenadas, expressando nelas “um valor alternativo, quer para exprimir a incompatibilidade dos conceitos envolvidos, quer para exprimir a equivalência deles” (Bechara, 2015, p.338). A conjunção “ou” do artigo 338, além de ligar termos equivalentes (os legitimados), torna incompatível a mistura desses legitimados.
Quanto à hermenêutica, não se deve ficar apenas na interpretação gramatical da conjunção “ou”. Como Luiz Fernando Bandeira expõe em sua obra Impeachment à brasileira: “cada vez mais se vê a aplicação das interpretações sistêmicas, históricas e principiológicas, em vez da puramente gramatical” (Bandeira de Melo Filho, 2024, p.166). Assim, aplicando uma interpretação sistemática do Risf, ao interpretar o artigo 338 combinado com o artigo 344, verificamos que a intenção do legislador era assegurar que os requerimentos tivessem autorias distintas. Tal entendimento é evidenciado especificamente pela utilização do termo “requerimento de líderes” no inciso I do artigo 344.
“Art. 344. A retirada de requerimento de urgência, obedecido, no que couber, o disposto no art. 256, é admissível mediante solicitação escrita:
I – do primeiro signatário, quando não se trate de requerimento de líderes; (grifo do articulista)
II – do Presidente da comissão, quando de autoria desta;
III – das lideranças que o houverem subscrito.” (grifo do articulista)
Depreende-se deste artigo que o requerimento de urgência tem como autor: parlamentares assinando individualmente (inciso I), Comissão/Mesa (inciso II) e líderes (inciso III). Assim, se admitíssemos a mistura de assinaturas de parlamentares individuais com as de líderes, não seria possível aplicar o artigo 344 para a retirada do requerimento. O primeiro signatário não poderia exercer o direito de retirada da proposição (artigo 344, I, Risf) se líderes estivessem entre os signatários, pois a retirada de requerimento com assinaturas de lideranças exige a subscrição de todos eles (artigo 344, III, Risf). Bem como a retirada pelas lideranças é de requerimento exclusivamente assinado só por líderes, como positivado nos incisos I e III: “requerimento de líderes” e “lideranças que o houverem subscrito”.
Possíveis questões relacionadas às assinaturas de requerimento de urgência.
No requerimento de assinatura de Senadores como parlamentar individual, admite-se a assinatura de líder, desde que seja considerada como a de um parlamentar individual (afinal ele não deixa de o ser), sem prejudicar o direito do primeiro signatário de retirar o requerimento de urgência, conforme artigo 344, I, Risf.
As assinaturas dos líderes, como tal, substituem as de seus representados nas respectivas bancadas de partido ou bloco partidário. Já as assinaturas de líder do governo, da oposição, da maioria, da minoria ou da bancada feminina não contam como substituição às de seus representados, pois esses já estão sendo representados (e contabilizados) pelos respectivos líderes das bancadas de partido ou bloco partidário.
Virtualização subverte objetivos da audiência de custódia, que completa dez anos
Criado para resguardar garantias fundamentais e dar maior segurança aos processos criminais, o instituto da audiência de custódia completou dez anos na semana passada sob a sombra da virtualização e com questionamentos à sua eficácia prática.
Yanukit
Maioria das audiências de custódia foi feita de forma virtual, o que contraria seus próprios objetivos
Dados do Conselho Nacional de Justiça mostram que houve mais de dois milhões de audiências desde 2015, e que, em 59% dos casos, as prisões foram mantidas. Foram mais de 150 mil situações em que foram constatadas tortura e violência (7% do total).
Em um recorte mais recente, de dados de audiências feitas desde agosto do ano passado, a maioria (54%) delas foi, no entanto, virtual, o que subverte seus próprios objetivos, dizem advogados, defensores e magistrados entrevistados pela revista eletrônica Consultor Jurídico.
A digitalização crescente, além de ir de encontro à proposta da audiência, que é colocar o acusado frente a frente, fisicamente, com a autoridade da magistratura, também passa por cima do que o Supremo Tribunal Federal decidiu em 2023 (ADIs 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305). Os ministros afirmaram, em meio à discussão sobre o juiz das garantias, que a audiência de custódia só seria virtual “em caso de urgência”.
“O afastamento do juiz e do promotor da pessoalidade do advogado e do acusado desumaniza a Justiça. É só um rostinho em uma tela, e quando estamos tratando de audiência de custódia isso tem um impacto severo”, diz Guilherme Carnelós, criminalista e presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD).
“Essa pessoa (que passa pela audiência virtual) é colocada em uma sala com uma câmera para poder falar se ela sofre um abuso. Ela não tem a segurança de falar o que quiser. O carcereiro está ali do lado. Perde o sentido da audiência de custódia e vira só mais um passo burocrático rumo à condenação. E, se for para ser só mais um passo da burocracia, tem algo errado.”
Além de descumprir a determinação do STF, a profusão de audiências virtuais também atropela o Código de Processo Penal, que determina que a norma seja cumprida presencialmente, até 24 horas depois da prisão. É obrigatória a presença de um advogado ou defensor público, e de um membro do Ministério Público. A ConJur ouviu relatos, no entanto, de que muitas vezes a promotoria não comparece e argumenta com um documento genérico, em geral, pedindo a conversão da prisão em preventiva.
Se por um lado houve avanços na implementação da audiência de custódia, por outro há discussões sobre seu alcance e até sobre o conteúdo dos diálogos entre o preso em flagrante e a autoridade judiciária, afirma o advogado criminalista Yuri Félix, conselheiro seccional da OAB-SP.
“Algumas vezes em audiência de custódia são debatidas questões de mérito que envolvem o objeto da acusação. ‘O senhor roubou ou não roubou? Participou ou não participou?’. Isso não é discussão que visa avaliar se os requisitos da prisão cautelar estão presentes”, diz o advogado.
“Dependendo do que é dito, isso será utilizado quando houver a discussão de mérito e, na maioria das vezes, não benéfica ao réu.”
Para Félix, a virtualização das audiências de custódia corrói os direitos fundamentais do acusado e acaba suprimindo a única forma de contato com a autoridade judiciária, em que o preso poderia expor sua versão dos fatos. “É um direito fundamental estar pelo menos uma vez diante da autoridade que irá julgá-lo. E a autoridade também, para que alcance uma maior fidedignidade do que será julgado”, diz.
O desembargador Marcelo Semer, que integrou a 13ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo até semana passada (ele faz parte agora da 10ª Câmara de Direito Público), diz que o contato direto do magistrado com o acusado “ajuda muito na decisão sobre a custódia cautelar — que agora é tomada após contraditório”.
“As audiências devem ser ampliadas, garantindo-se que, salvo impedimento concreto, sejam sempre presenciais, e havendo maior atenção dos juízes quanto a questões ligadas aos casos de violência.”
Mera formalidade
Em 2023, o STF decidiu que todos os tipos de prisão devem observar, obrigatoriamente, a audiência de custódia. A Reclamação 29.303 foi ajuizada pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro e seus efeitos foram vinculantes. Responsável pela ação, o defensor público Eduardo Newton teme, todavia, que o procedimento tenha se tornado mera burocracia para o percurso do acusado à prisão.
“Tenho a sensação de que se tornou apenas um ritual de passagem, para indicar que o acusado está entrando no sistema prisional” diz Newton.
Gil Ferreira/CNJAudiência de custódia, preso, interno
Tráfico e furto são os tipos penais mais registrados em audiências de custódia
Ele cita um caso que exemplifica a transformação da audiência em mero ato formal, o Processo 0151479- 95.2024.8.19.0001, em que o juiz, mesmo com a constatação da prescrição executória da pena do acusado, manteve sua prisão. O magistrado argumentou que a audiência examina apenas questões administrativas, e não judiciais.
O defensor cita que o caso ilustra outro ponto que acabou subvertido: a tentativa de desjudicialização e de economia do Judiciário com as audiências. Em 2015, o então ministro do STF Ricardo Lewandowski afirmou que o instituto poderia gerar R$ 4,3 bilhões anuais de economia aos estados. De lá pra cá, todavia, a população carcerária não teve mudança substancial, e o país continua com a terceira maior quantidade de presos no mundo, o que onera os cofres públicos.
“Se olharmos o percentual de conversões (de flagrante para preventiva), a lei não pegou para esse fim, de fazer o Estado economizar”, sentencia Newton.
O advogado Davi L. Szuvarcfuter, do escritório Bottini & Tamasauskas, corrobora a apreensão de que a audiência de custódia tem caminhado para se tornar apenas um rito de passagem do acusado para a prisão.
“O que vemos na prática é que o juiz acaba ignorando tudo. A única pergunta que ele faz, por uma preocupação com a Lei de Abuso de Autoridade, é checar se houve violência. Muitas vezes, o laudo do Instituto Médico Legal não chega a tempo da audiência, então fica pela palavra do preso. Mas, fora isso, nenhuma análise é feita”, diz.
Newton e Szuvarcfuter também enxergam mais traços negativos do que positivos em relação à virtualização.
“Saímos de um extremo, aquela burocracia toda, para outro extremo, que é um encantamento com o virtual. Esquece-se que o objetivo da prestação jurisdicional é encarar no olho o preso”, afirma o defensor.
Mudou, mas nem tanto
Para quem dispõe de advogado particular, diz Carnelós, do IDDD, a virtualização das audiências pode ter um impacto menor, ainda que a prática continue sendo contraditória à natureza do instituto.
No caso das defensorias, que assumem as defesas de parte considerável dos infratores, muitas vezes não há pessoal para uma atuação mais fiscalizatória, insistindo para que o juiz analise a petição. Os juízos, dessa forma, tendem a manter as prisões, o que mostra que as mudanças provocadas pelas audiências, na prática, ainda são tímidas.
Além da economia bilionária citada pelo ministro aposentado Lewandowski, atual comandante do Ministério da Justiça, um dos objetivos da criação das audiências era o desencarceramento, o que também não surtiu efeito.
Prova disso é o enorme contingente de presos provisórios, que não arrefeceu nos últimos dez anos. Em 2016, havia pouco mais de 230 mil presos sem julgamento, levando em conta o sistema carcerário e as prisões domiciliares; em 2024, cerca de 215 mil pessoas estavam presas provisoriamente. O número total também não mudou muito, e gira em torno de 800 mil presos.
Os dados são dos relatórios de informações penais da Secretaria Nacional de Políticas Penais. Cada preso custa aos cofres públicos entre R$ 2 mil e R$ 3 mil mensais.
Os recortes de tipificação também mostram que as audiências não têm cumprido seu papel: segundo o CNJ, tráfico de drogas e furto correspondem a 37% de todas as audiências de custódia feitas desde agosto de 2024. No sistema carcerário, quase 200 mil pessoas estão presas por tráfico ou associação, enquanto outras 70 mil estão privadas de liberdade por conta de furto.
A título de comparação, a soma de todos os encarcerados por crimes contra a pessoa (homicídio, violência doméstica, lesão corporal etc.) resulta em 126 mil presos. “Se o Estado é capaz de criar uma estrutura repressiva, ele tem de criar a estrutura correspondente para garantir direitos”, afirma Carnelós.
Dados das audiências de custódia
— Desde 2015, foram feitas mais de dois milhões de audiências, segundo o CNJ;
— Na série histórica, em 59% das audiências, as prisões foram mantidas e, em 41%, os acusados foram soltos;
— Em 153 mil casos, foram constatados relatos de tortura e violência por parte das autoridades;
— De agosto de 2024 para cá, foram 357,4 mil audiências de custódia;
— Neste recorte, a maioria das audiências de custódia (54%) foi virtual;
— Tráfico de drogas (34%), furto (13%) e violência doméstica (7%) são os tipos penais que mais foram computados nas audiências_
Cabo de vassoura pode ser arma branca e justificar pena maior
Um cabo de vassoura pode ser considerado uma arma branca com potencial lesivo suficiente para atrair a aplicação da causa de aumento de pena do artigo 157, parágrafo 2º, inciso VII, do Código Penal.
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Cabo de vassoura é arma branca imprópria ao ser usada para ameaçar vítimas, diz STJ
Com essa conclusão, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso especial de um homem condenado por roubo majorado.
Segundo as vítimas, elas foram ameaçadas pelo réu com uma barra de alumínio. Uma delas identificou o item como cabo de vassoura, outra concluiu que era um cabo de rodo.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais aplicou ao caso a majorante de pena pelo uso de grave violência ou ameaça com emprego de arma branca.
A corte entendeu que o cabo de vassoura é uma arma branca imprópria — um objeto que, embora não seja feito para ataque ou defesa, foi usado dessa maneira na execução do crime.
Ao STJ, a Defensoria Pública do Distrito Federal apontou que o cabo de vassoura não tem potencial lesivo para ser enquadrado como arma branca. Acresce-se a isso o fato de não ter sido feito laudo de eficiência do cabo de vassoura e de as vítimas não terem sido atingidas pelo instrumento.
Arma branca
Relatora do recurso especial, a ministra Daniela Teixeira negou provimento ao recurso. Segundo os fatos descritos no acórdão e na sentença, o réu usou o cabo para exercer violência e grave ameaça contra as vítimas.
“De fato, um cabo de vassoura pode ser considerado arma branca imprópria, com potencial lesivo suficiente para atrair a aplicação da causa de aumento do art. 157, parágrafo 2º, VII, do Código Penal”, explicou a relatora.
“No caso, a lesividade pode ser atestada pelos depoimentos das vítimas, uma vez que o cabo de vassoura foi utilizado contra os pescoços das duas, comprovando tratar-se de objeto com potencialidade lesiva”, concluiu. A votação foi unânime._
Vendaval derruba árvore, carro sofre dano e município é condenado a indenizar
A Prefeitura do Guarujá (SP), no litoral de São Paulo, foi condenada a ressarcir um munícipe pelos danos causados pela queda de uma árvore em seu carro durante um vendaval. Segundo a decisão, que é de primeiro grau, houve omissão do poder público. O valor a ser pago será apurado na fase de liquidação.
Divulgaçãocarro atingido por árvore no Guarujá (SP)
Carro foi atingido por árvore depois de vendaval no Guarujá
“Compete aos municípios realizar a adequada conservação de suas vias e passeios, inclusive árvores que margeiam, o que não se deu no caso, caracterizando falha grave da administração, à vista da condição em que já se encontrava a árvore antes de sua queda”, anotou o juiz Cândido Alexandre Munhóz Pérez, da Vara da Fazenda Pública do Guarujá.
A forte ventania aconteceu no dia 13 de julho de 2023. O carro do autor estava estacionado em uma avenida quando uma árvore de grande porte caiu e o atingiu. Em sua contestação, a prefeitura negou ter responsabilidade indenizatória porque houve um evento excepcional e imprevisto, caracterizando força maior.
Omissão comprovada
No entanto, o julgador rejeitou o argumento da prefeitura porque já havia a notícia de requerimento que lhe foi formulado por um vereador, a pedido de munícipes, para a remoção da árvore que caiu. Esse pedido foi feito no dia 13 de junho de 2023, um mês antes da queda, “o que reforça a omissão do poder público”, frisou Pérez.
O juiz fundamentou a sua sentença com base no artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal, que dispõe, como regra, a responsabilidade objetiva estatal em suas variadas esferas, de modo a dispensar a demonstração de culpa do agente envolvido. Isso apenas seria afastado na hipótese de o poder público comprovar uma circunstância excludente.
Para o juiz, ficou caracterizado o nexo entre a negligência da requerida e o dano sofrido pelo autor. “No que toca às chamadas condutas omissivas do ente público, é imprescindível, para fins de responsabilização civil, que esteja presente o elemento culpa, mitigando-se, nesse ponto, a regra geral da responsabilidade objetiva.”
No caso dos autos, não restou dúvida de que a queda da árvore ocorreu durante o vendaval. Já o artigo 4º da Lei Complementar do Guarujá 161/2014 impõe ao município o dever de identificar árvores em estado fitossanitário comprometido para a devida supressão, se necessária, para evitar danos ao patrimônio público ou particular.
“Presentes, enfim, todos os requisitos legais, e ausentes causas excludentes, imperioso o reconhecimento do dever de indenizar”, concluiu Pérez. Ante a falta de orçamentos sobre o valor exato do conserto do veículo, a quantia a ser desembolsada pela prefeitura será apurada em oportuna liquidação._
Meio ambiente: de quem é a obrigação de preservá-lo?
A legislação brasileira trata o meio ambiente como “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas” conforme definido na Lei 6.938/81. Sendo um bem essencial para a coletividade, qualquer dano causado a esse equilíbrio deve ser reparado pelo responsável, de acordo com o sistema de responsabilidade civil. Para compreender essa responsabilidade, é necessário entender sua estrutura no Brasil, diferenciando os tipos existentes e as especificidades do contexto ambiental.
Reprodução
A responsabilidade civil pode ser entendida como a como a obrigação — por parte daquele que, por meio de ação ou omissão culposa ou, conforme definido em lei, independentemente de culpa, causou danos a outrem — de indenizar aquele que foi lesado, podendo ser classificada como subjetiva ou objetiva. A responsabilidade subjetiva exige, além da conduta, nexo causal e o dano, a comprovação de culpa ou dolo do agente. Sem a presença simultânea desses fatores, não há obrigação de indenizar ou reparar o dano, sendo esse modelo o predominante na legislação brasileira.
Já a responsabilidade objetiva, prevista no artigo 927 do Código Civil, dispensa a necessidade de comprovação de culpa ou dolo, bastando demonstrar a ocorrência da conduta, o nexo causal e o dano. A responsabilidade civil ambiental, neste contexto portanto, é exemplo de responsabilidade objetiva, decorrente de disposição legal específica, conforme abordaremos a seguir. Embora o Direito Ambiental se baseie em princípios do Direito Civil, ele possui autonomia normativa e jurisprudência própria.
A Constituição, por meio do artigo 225, reconhece o meio ambiente equilibrado como um direito da coletividade e impõe ao poder público e à sociedade a obrigação de preservá-lo. Além disso, o §3º do referido artigo estabelece que atividades prejudiciais ao meio ambiente sujeitam os infratores a sanções administrativas e penais, sem excluir a responsabilidade civil de reparar o dano, configurando a tríplice responsabilização do poluidor.
Lei 6.938/81, Teoria do Risco Integral e súmulas
Reforçando essa proteção, a Lei 6.938/81 instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, criou o Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama) e definiu conceitos fundamentais para a aplicação da legislação ambiental, dentre eles, o conceito de poluição e poluidor. A poluição é caracterizada como “degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; afetem desfavoravelmente a biota; afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos”.
Já o poluidor é definido como “pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental”. Fruto de ambas as definições, com o grifo ao caráter direto ou indireto, amplia-se o escopo da responsabilização, permitindo interpretações que incluem financiadores de empreendimentos ambientalmente prejudiciais como eventuais poluidores indiretos, por exemplo. Casos como esse, obviamente, são alvo de controvérsia e ainda causam discussões, entretanto, o entendimento que prevalece atualmente é de que, ao financiar atividades que promovem degradação ambiental, essas instituições podem ser consideradas corresponsáveis quando sua conivência ou negligência fica evidente, como na continuidade de financiamentos mesmo após ciência da existência de danos ambientais decorrentes da atividade financiada.
Spacca
Diferentemente da responsabilidade objetiva tradicional, pautada pela Teoria do Risco Criado, a responsabilidade civil ambiental adota a Teoria do Risco Integral, conforme pacificado pelo STJ em 2002. Diferente da Teoria do Risco Criado, que permite a aplicação de excludentes de responsabilidade, a Teoria do Risco Integral impõe a obrigação de reparar os danos ambientais sem admitir justificativas como caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima. que é protegido como bem essencial e direito fundamental, conforme a Constituição e pela necessidade de garantir sua preservação como um bem essencial para o bem-estar das gerações presentes e futuras.
Fruto de anos de legislação ambiental, naturalmente construiu-se jurisprudência robusta consubstanciada pela edição de súmulas e pacificação de certos entendimentos.
Algumas decisões foram transformadas em súmulas pelo STJ, consolidando entendimentos essenciais para a aplicação das normas ambientais, destacando-se a Súmula 618 que estabelece a inversão do ônus da prova, atribuindo ao agente causador a responsabilidade de demonstrar que sua conduta não gerou o dano; Súmula 613 que impede a aplicação da Teoria do Fato Consumado em matéria ambiental, uma vez que a manutenção de situações consolidadas, mas irregulares, perpetua danos ao meio ambiente indo na contramão dos princípios da prevenção e da precaução; e Súmula 652 que consolida o entendimento de que a responsabilidade é solidária entre os agentes que causaram o dano.
Classificação dos danos e imprescritibilidade
Além da definição da responsabilidade, é importante entender a classificação dos danos ambientais, que podem ser puros (ou coletivos) e individuais (ou ricochete). O dano puro é aquele que atinge diretamente o meio ambiente como um todo, prejudicando a coletividade. Exemplos incluem o desmatamento irregular e a contaminação de cursos d’água. Já o dano individual ocorre quando um dano ambiental coletivo é aquele decorrente do dano puro que atingiu, também, direitos individuais ou até mesmo individuais homogêneos. Exemplos são os pescadores prejudicados pela poluição de curso d’água que compromete sua atividade profissional e seus meios de subsistência. Essa distinção tem implicações jurídicas relevantes, especialmente na prescrição das ações judiciais.
No Tema 999 de repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a reparação de danos ambientais coletivos é imprescritível, ou seja, pode ser exigida a qualquer tempo. No entanto, a imprescritibilidade não se aplica aos danos individuais, que continuam sujeitos aos prazos convencionais de prescrição.
Conclusão
A responsabilidade civil ambiental no Brasil se destaca por sua estrutura rigorosa, baseada na responsabilidade objetiva e sustentada pela Teoria do Risco Integral. Esse sistema garante que qualquer dano ao meio ambiente deve ser reparado, independentemente da culpa do agente causador, conferindo proteção máxima ao equilíbrio ecológico e ao interesse coletivo. Além disso, a legislação continua a evoluir diante de desafios contemporâneos, especialmente nos debates sobre a responsabilidade de poluidores indiretos e o alcance da teoria do risco integral. Embora existam controvérsias quanto à aplicação desses conceitos, a tendência normativa e jurisprudencial reforça o compromisso do Brasil com a proteção ambiental como um direito fundamental.
O arcabouço legal vigente desempenha um papel essencial na preservação do meio ambiente, assegurando não apenas a reparação de danos já causados, mas também a responsabilização severa de envolvidos em atividades degradadoras, protegendo os recursos naturais para as gerações presentes e futuras._
Corte de energia não justifica prorrogação de prazo para recurso
A Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho manteve a decisão que rejeitou um recurso protocolado no dia seguinte ao fim do prazo porque, segundo o advogado, houve queda de energia 30 minutos antes do horário limite para apresentá-lo.
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Prazo não pode ser prorrogado por conta de queda de energia, diz TST
A ação diz respeito a um pedido de indenização por dano moral da viúva e dos filhos de um trabalhador de uma empresa de alimentos, em Samambaia (DF), vítima de acidente de trabalho. O processo tramitou em todas as instâncias e, nos embargos à SDI-1, o advogado argumentou que uma interrupção inesperada de energia elétrica em sua residência, 30 minutos antes do prazo final, o impossibilitou de peticionar nos autos. Para o advogado, o caso pode ser enquadrado como força maior, ou seja, ele não teve controle sobre o fato.
A 4ª Turma do TST negou a subida dos embargos porque a contagem do prazo recursal começou numa segunda-feira (5 de junho de 2023) e se encerrou numa quinta-feira (15 de junho), mas os embargos foram apresentados apenas na sexta-feira (16 de junho). Ao negar o pedido de prorrogação do prazo, a decisão observa que a interrupção da energia foi programada para manutenção da rede e informada aos consumidores, conforme comprovante emitido pela concessionária, “situação totalmente controlável”.
Corte programado
Contra a decisão, o advogado interpôs agravo, julgado pela SDI-1 seguindo o voto do ministro Cláudio Brandão, relator da matéria. Ele explicou que a força maior, para que justifique a prorrogação de prazo, tem como requisitos essenciais a imprevisibilidade e a inevitabilidade. Segundo o ministro, o corte programado da energia não pode se enquadrar nesse caso.
Outro aspecto destacado pelo relator é o fato de a viúva ser representada na ação por diversos advogados. “A interrupção programada da energia, no endereço residencial de um dos advogados, em nada impedia a interposição do apelo pelos demais procuradores”, concluiu ele. Com informações da assessoria de imprensa do TST._
Oposição à sustentação oral virtual gera impasse entre advocacia e CNJ
A recente padronização de procedimentos para julgamentos virtuais no Brasil, feita pelo Conselho Nacional de Justiça, está causando um impasse entre advocacia e Poder Judiciário.
Pedro França/STJAdvocacia, advogado, sustentação oral, documento
Sustentação oral presencial é prerrogativa da advocacia, que tem combatido envio desses casos aos plenários virtuais
Para os advogados, todo e qualquer pedido de destaque formulado em processos com matéria de mérito e possibilidade de sustentação oral deve obrigatoriamente levar o caso da pauta virtual para a presencial.
Para os magistrados brasileiros, essa hipótese é inviável: não há como os tribunais julgarem presencialmente tantos processos sem prejudicar a duração razoável do processo e a produtividade.
O impasse é amplificado por uma blitz legislativa sobre o tema. O Congresso Nacional tem três projetos de lei, uma proposta de emenda à Constituição e um projeto de decreto legislativo reagindo às determinações da Resolução 591/2024 do CNJ.
A norma padronizou os procedimentos para julgamentos virtuais no Brasil, que já aconteciam de acordo com os desígnios de cada tribunal e foram amplificados desde a crise sanitária da Covid-19, com diferentes níveis de transparência.
O CNJ decidiu que as sessões devem ser públicas e com acesso em tempo real a todos, com possibilidade de manifestação dos advogados, inclusive, para esclarecimento de fatos. O ponto que desagradou à advocacia está no artigo 8º, inciso II, que diz que partes e Ministério Público podem formular pedidos de destaque, para retirada do processo da pauta virtual, os quais precisam ser deferidos pelo relator.
Entidades da advocacia reagiram imediatamente por entender que a resolução viola a prerrogativa de sustentar oralmente de forma presencial. Para constitucionalistas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico, o CNJ extrapolou a própria competência.
Em petição ao CNJ, o Conselho Federal da OAB pediu a mudança da norma para que, nos processos com matéria de mérito e possibilidade de sustentação oral, os pedidos de destaque ao plenário presencial feitos pelos advogados sejam automaticamente acolhidos. Como não cabe recurso contra acórdão do CNJ, o pedido não foi conhecido. Ainda assim, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do conselho, esclareceu que os tribunais têm autonomia para criar mais hipóteses de destaque.
“A sustentação oral só deve ser feita por gravação onde a sustentação presencial crie uma tal disfuncionalidade para o tribunal que isso seja imperativo”, disse Barroso no plenário do CNJ, durante a 1ª Sessão Ordinária de 2025. “A resolução foi para melhorar a vida, e não para piorar a vida dos advogados”, defendeu o ministro. “A regra geral deve ser a sustentação síncrona com a presença do advogado.”
Eugenio NovaesBeto Simonetti 2025
Para o presidente do Conselho Federal da OAB, Beto Simonetti, sustentação oral não pode ser tratada como um entrave
Para todo mundo não vai dar
A possibilidade de pedidos de sustentações orais presenciais criarem disfuncionalidades para os tribunais brasileiros é bastante plausível e já foi experimentada, depois que foi promulgada a Lei 14.365/2022. A norma alterou o Estatuto da Advocacia para aumentar as possibilidades do uso da sustentação oral para recursos contra decisões monocráticas que julguem o mérito ou não conheçam de recursos ou ações.
Houve, então, uma explosão do número de sustentações orais nas sessões de julgamento por todo o país. No Superior Tribunal de Justiça, as turmas criminais experimentaram sessões com 47 pedidos de manifestação dos advogados. Isso gerou reações. Decidiu-se, por exemplo, que a lei agora permite sustentação oral no agravo interno ou regimental contra a decisão em recurso especial (REsp), mas que isso não vale para o agravo regimental contra o agravo em recurso especial (AREsp).
Outros colegiados do STJ, como a 3ª Turma, passaram a enviar automaticamente para a pauta virtual todos os casos com pedido de sustentação oral em recursos contra decisões monocráticas. Nas turmas criminais, os ministros perceberam uma tendência curiosa: conforme os casos iam sendo enviados para a pauta virtual, o grande interesse da advocacia em fazer sustentação oral diminuía drasticamente.
No Supremo Tribunal Federal, onde o julgamento virtual representou uma revolução em meio à crise da Covid-19, a resistência da advocacia foi sendo vencida com algumas medidas de transparência: os ministros só conseguem votar depois de acessar os arquivos enviados, como a sustentação oral virtual, e os que não se manifestam não têm o voto considerado.
Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Beto Simonetti disse à ConJur que reconhece a importância da eficiência no Judiciário e que a OAB está comprometida em contribuir para a celeridade processual. “No entanto, a sustentação oral não pode ser tratada como um entrave, mas, sim, como um componente essencial para uma Justiça de qualidade.”
“Cabe também ao Judiciário fazer sua parte com maior respeito ao sistema de precedentes e alinhamento com as jurisprudências dos tribunais superiores. Estamos abertos ao diálogo com os tribunais para encontrar soluções que conciliem a agilidade processual com o pleno exercício do direito de defesa. É fundamental, contudo, que a busca por eficiência não ocorra às custas da qualidade e da legitimidade das decisões judiciais”, afirmou ele.
Rafael Luz/STJPaulo Sérgio Domingues 2024
Ministro Paulo Sérgio Domingues disse que sustentações orais presenciais são melhores, mas será impossível tê-las em todos os casos
Choque de realidade
Outros advogados ouvidos pela ConJur são céticos quanto à utilidade de uma sustentação oral gravada e enviada com antecedência. Eles dizem que não há como saber se o julgador realmente assistiu ou ouviu a fala. E ponderam que o impacto mais grave vai ocorrer nos tribunais de apelação, em que há análise de fatos e provas, e efetiva revisão dos casos concretos.
Já magistrados veem um benefício nas sustentações gravadas: a possibilidade de acompanhar a fala do advogado com calma e no momento oportuno para se debruçar sobre o processo. Em recente palestra na Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal (Anape), o ministro Paulo Sérgio Domingues, do STJ, disse que o tema vem gerando celeuma exagerada.
Primeiro porque os tribunais julgam muito, o suficiente para tornar impossível o julgamento presencial de todos os processos com sustentações orais de 15 minutos. Segundo porque a resolução do CNJ aumenta a transparência dos julgamentos virtuais, sem afetar em nada as sessões presenciais. “Sustentações são melhores presenciais? São. Mas, em todos os casos, é impossível (fazê-las). Precisamos lidar com dados da realidade”, disse o ministro.
Já na sessão da 3ª Turma do STJ do último dia 4, a ministra Nancy Andrighi tratou do tema ao comentar que a advocacia deveria se preocupar mais com as sessões virtuais em si. “Os advogados estão com o foco errado. A sustentação oral é importante, mas pode ser substituída por bom memorial com duas ou três páginas. Nada é mais importante do que imaginar que eu vou me deparar com cinco dias úteis e ter que debulhar uma pauta virtual de mil processos.”
Beto Simonetti reforçou a posição da OAB na sessão de abertura do ano judiciário no Supremo Tribunal Federal, em fevereiro. “A palavra dita é complementar à palavra escrita e, sem constrangimento, vídeo gravado não é sustentação oral.” À ConJur, ele reforçou ser essencial que o advogado tenha a oportunidade de se manifestar diretamente perante o colegiado julgador, garantindo a efetividade da defesa dos direitos dos cidadãos.
Blitz legislativa
No Tribunal Superior do Trabalho, a pressão da OAB deu algum resultado. O órgão determinou que os processos com pedido de sustentação oral sejam automaticamente transferidos para julgamento presencial para as pautas até 14 de março, prazo final já estendido pelo CNJ para implementação da Resolução 591/2024. A partir daí, será necessária a concordância do relator para o deferimento do destaque.
Há uma ofensiva também no Legislativo. Em agosto de 2024, senadores protocolaram uma proposta de emenda à Constituição (PEC 30/2024) para assegurar que advogados possam apresentar seus argumentos oralmente perante tribunais de todas as esferas, judicial e administrativa, sob pena de nulidade do julgamento. O texto é de iniciativa do senador Castellar Neto (PP-MG), com apoio de outros 26 senadores.
O senador Fabiano Contarato (PT-ES) protocolou o PL 345/2025 para mudar o Código de Processo Civil e o Código de Processo Penal, prevendo que destaques sejam decididos de maneira fundamentada pelo relator, de acordo com a relevância da matéria e a necessidade do julgamento síncrono com sustentação oral. Na fundamentação, ele classifica a resolução do CNJ como uma “limitação abusiva às prerrogativas da advocacia”.
Já na Câmara dos Deputados, a deputada federal Carmen Zanotto (Cidadania-SC) protocolou o PL 4.996/2024, para propor a inclusão no Estatuto da Advocacia da previsão de que todos os casos em julgamento virtual com pedido de sustentação oral sejam pautados para sessões presenciais ou telepresenciais.
Além disso, o deputado federal Tião Medeiros (PP-PR) propôs em outubro um Decreto Legislativo de Sustação de Atos Normativos do Poder Executivo (PDL 371/2024) para sustar os efeitos da resolução do CNJ, por restringir a atuação pleno dos advogados e usurpar a competência do Congresso Nacional._
A inconstitucionalidade do artigo 56 da Lei nº 15.042/2024 (parte 1)
A Lei nº 15.042 foi publicada em 11/12/2024 e instituiu o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa, doravante “SBCE”. Trata-se de legislação importante na agenda ambiental, destinada a reduzir e/ou limitar a emissão desses gases nocivos ao meio-ambiente do país.
Em seu artigo 3º verifica-se o compromisso no sentido de diminuir as emissões dos referidos gases, em harmonia com o disposto na Convenção-Quadro das Nações Unidas [1] sobre a mudança do clima:
“Art. 3º Fica instituído o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), ambiente regulado submetido ao regime de limitação das emissões de GEE e de comercialização de ativos representativos de emissão, redução de emissão ou remoção de GEE no País.”
Parágrafo único. O SBCE terá por finalidade dar cumprimento à Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) – e aos compromissos assumidos sob a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, mediante definição de compromissos ambientais e disciplina financeira de negociação de ativos.”
Logo a seguir, o artigo 4º. estabelece os princípios do SBCE, todos atentos à importância da agenda ambiental tanto no país quanto em nível global:
“Art. 4º O SBCE observará os seguintes princípios:
I – harmonização e coordenação entre os instrumentos disponíveis para alcançar os objetivos e as metas da PNMC, inclusive mecanismos de precificação setoriais de carbono;
II – compatibilidade e articulação entre o SBCE e a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e seus instrumentos, com particular atenção aos compromissos assumidos pelo Brasil nos regimes multilaterais sobre mudança do clima;
III – participação e cooperação entre a União, os Estados, os Municípios, o Distrito Federal, os setores regulados, outros setores da iniciativa privada e a sociedade civil;
IV – transparência, previsibilidade e segurança jurídica;
V – promoção da competitividade da economia brasileira;
VI – redução de emissões e remoção de GEE nacionais de forma justa e custo-efetiva, com vistas a promover o desenvolvimento sustentável e a equidade climática;
VII – promoção da conservação e da restauração da vegetação nativa e dos ecossistemas aquáticos como meio de fortalecimento dos sumidouros naturais de carbono;
VIII – respeito e garantia dos direitos e da autonomia dos povos indígenas e dos povos e comunidades tradicionais;
IX – respeito ao direito de propriedade privada e de usufruto dos povos indígenas e dos povos e comunidades tradicionais.”
Nota-se, claramente, que se trata de uma lei inspirada nos artigos 23, inciso IV, 170, inciso VI e 225, todos da Constituição da República, ciosos pela proteção do meio-ambiente e pelo desenvolvimento econômico sustentável.
Numa análise estrutural, praticamente toda a Lei nº 15.042/2024 foi construída em torno do referido SBCE, cuidando, e.g., da governança e da competência (seção II), de seus ativos integrantes (Seção III), da negociação de ativos do SBCE e de créditos de carbono no mercado financeiro e de capitais (Subseção II), da tributação dos ativos integrantes do SBCE e dos créditos de carbono (seção IV), do plano nacional de alocação (seção V) etc.
Um pouco mais adiante, a Lei trata dos agentes regulados nesse mercado específico (Capítulo III, Seção I), do plano de monitoramento e da mensuração, relato e verificação de emissões (Seção II). A Seção III trata da Conciliação Periódica de Obrigações; a Seção IV das infrações e das penalidades e o Capítulo IV cuida da oferta voluntária de créditos de carbono.
O fio condutor utilizado pela lei é, consoante observado, integralmente relacionado ao Sistema Brasileiro de Comércio de Emissão de Gases do Efeito Estufa que, por sua vez, encontra-se causalmente vinculado à aquisição/alienação dos créditos de carbono, ou seja, o eixo temático é uniforme.
Alei caminha por essa mesma trilha em todos os seus dispositivos até que, no apagar de suas luzes, traz o artigo 56 que, por sua relevância, transcreve-se a seguir:
“Art. 56. Em atendimento ao disposto no art. 84 do Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966, as sociedades seguradoras, as entidades abertas de previdência complementar, as sociedades de capitalização e os resseguradores locais deverão, para cumprimento das diretrizes previstas no inciso V do caput do art. 2º do regulamento anexo à Resolução do Conselho Monetário Nacional nº 4.993, de 24 de março de 2022, e na modalidade referida no inciso V do caput do art. 7º do mesmo regulamento, adquirir, até o limite previsto na mencionada Resolução ou em norma que vier a substituí-la, mas observado o mínimo de 0,5% (meio por cento) ao ano dos recursos de suas reservas técnicas e das provisões, os ativos ambientais previstos no inciso VII do caput do art. 2º desta Lei ou cotas de fundos de investimentos dos referidos ativos ambientais.
Parágrafo único. As sociedades seguradoras e demais entidades a que se refere o caput deste artigo deverão cumprir todas as obrigações previstas em lei e nas demais normas aplicáveis.” (Grifou-se).
Toda a lei, à exceção do disposto no artigo ora referido, cuida do SBCE e temas correlatos. Ao ler essa norma pela primeira vez fica-se com uma impressão de que teria havido um erro por parte do legislador, na exata medida em que, nos estertores do texto legal, introduz-se um tema que não tem relação alguma com tudo que fora anteriormente disciplinado.
Também causa espécie o emprego truncado do vernáculo. A título de ilustração, as três passagens a seguir revelam a elaboração de sentenças de maneira invertida, a causar dificuldade desnecessária ao intérprete:_
Corte de energia não justifica prorrogação de prazo para recurso
A Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho manteve a decisão que rejeitou um recurso protocolado no dia seguinte ao fim do prazo porque, segundo o advogado, houve queda de energia 30 minutos antes do horário limite para apresentá-lo.
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Prazo não pode ser prorrogado por conta de queda de energia, diz TST
A ação diz respeito a um pedido de indenização por dano moral da viúva e dos filhos de um trabalhador de uma empresa de alimentos, em Samambaia (DF), vítima de acidente de trabalho. O processo tramitou em todas as instâncias e, nos embargos à SDI-1, o advogado argumentou que uma interrupção inesperada de energia elétrica em sua residência, 30 minutos antes do prazo final, o impossibilitou de peticionar nos autos. Para o advogado, o caso pode ser enquadrado como força maior, ou seja, ele não teve controle sobre o fato.
A 4ª Turma do TST negou a subida dos embargos porque a contagem do prazo recursal começou numa segunda-feira (5 de junho de 2023) e se encerrou numa quinta-feira (15 de junho), mas os embargos foram apresentados apenas na sexta-feira (16 de junho). Ao negar o pedido de prorrogação do prazo, a decisão observa que a interrupção da energia foi programada para manutenção da rede e informada aos consumidores, conforme comprovante emitido pela concessionária, “situação totalmente controlável”.
Corte programado
Contra a decisão, o advogado interpôs agravo, julgado pela SDI-1 seguindo o voto do ministro Cláudio Brandão, relator da matéria. Ele explicou que a força maior, para que justifique a prorrogação de prazo, tem como requisitos essenciais a imprevisibilidade e a inevitabilidade. Segundo o ministro, o corte programado da energia não pode se enquadrar nesse caso.
Outro aspecto destacado pelo relator é o fato de a viúva ser representada na ação por diversos advogados. “A interrupção programada da energia, no endereço residencial de um dos advogados, em nada impedia a interposição do apelo pelos demais procuradores”, concluiu ele. Com informações da assessoria de imprensa do TST._
Juíza identifica indícios de advocacia predatória e oficia OAB-PB
A advocacia predatória desvirtua as funções do Poder Judiciário. Não é razoável que, em nome do efetivo acesso à Justiça, se legitime conduta temerária cujo único objetivo é obter múltiplas indenizações e ganhos de honorários advocatícios.
Magistrada identificou 700 processos contra a mesma empresa e reconheceu indícios de advocacia predatória em cidade na Paraíba
Magistrada reconheceu indícios de advocacia predatória em cidade na Paraíba
Esse foi o entendimento da juíza Maria dos Remédios Pordeus Pedrosa, da 2ª Vara Mista de Santa Rita (PB), para determinar que sejam oficiadas a seccional da Paraíba da OAB, o Núcleo de Monitoramento do Perfil de Demandas (Numopede) e o Centro de Inteligência e Inovação (CEIIN) do Tribunal de Justiça da Paraíba, com o intuito de apurar a atuação de advogados que estão ajuizando ações em massa contra um banco e uma empresa de serviços de pagamentos.
Na decisão, a magistrada aponta que somente até o mês de agosto de 2003 foram ajuizados 700 novos processos contra as mesmas pessoas jurídicas. Além disso, em muitas demandas, as partes questionam valores ínfimos descontados — até mesmo inferiores a R$ 1 — com argumentação idêntica.
“Igualmente, importante registrar que, em geral, o(a) autor(a) é dotado de hipervulnerabilidade (aposentado, baixa instrução social e/ou analfabeto, etc.), cuja captação por parte dos advogados exige a adoção de maior controle pelo Poder Judiciário, evitando-se casos de desconhecimento acerca do ingresso da ação, abusos e omissão de informações relevantes, com nítido intento de obstaculizar o exercício do direito de defesa e potencializar os pleitos indenizatórios”, registrou.
Por fim, ela afirmou que os advogados têm apresentado o mesmo comprovante de residência para diferentes autores, indicando possível fraude processual. _
Adiar ou recalcular indenização ao setor de açúcar e álcool vai custar mais à União, indica parecer
A União tem uma janela ideal até 2026 para quitar indenizações ao setor de açúcar e álcool pelos prejuízos causados pelo tabelamento de preços do governo entre os anos de 1985 e 1999. Adiar o pagamento ou rediscutir os valores por meio de novas perícias não só aumentará a conta como trará consequências negativas para a economia brasileira.
Elza Fiuza/Agência BrasilDisputa envolvendo setor de açúcar e álcool já dura mais de três décadas
Disputa envolvendo setor de açúcar e álcool já dura mais de três décadas
A conclusão é de um parecer produzido pelo economista José Roberto Afonso, da Finance Consultoria, e anexado em um dos recursos em julgamento no Supremo Tribunal Federal sobre o tema. O caso é de uma das usinas, que tem R$ 74,4 milhões para receber da União. O processo discute a necessidade de liquidação prévia do julgado.
O pedido da União para que se comprove a existência e a extensão de um prejuízo efetivo foi feito em embargos à execução. A condenação já se tornou definitiva e previu o valor da indenização por meio de cálculos aritméticos. A 2ª Turma do STF rejeitou a pretensão em 2023 e manteve a posição nos primeiros embargos de declaração, em 2024. Nesta sexta-feira (28/2), iniciará o julgamento virtual dos segundos embargos.
O parecer anexado contesta o valor apresentado pela Advocacia-Geral da União ao STF sobre o impacto financeiro das ações transitadas em julgado e não pagas, que seria de R$ 145 bilhões. À revista eletrônica Consultor Jurídico, o órgão disse que o valor atualizado é de R$ 147 bilhões, quando apresentou a ideia de uma nova rodada de conciliação com as usinas. Já no Anexo de Riscos Fiscais do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias 2025, citou R$ 79,6 bilhões.
O cálculo do parecer é mais alinhado com o das usinas: R$ 63 bilhões. Até 2026, a previsão é de que essa dívida salte para, pelo menos, R$ 74 bilhões. Isso ocorreria pela aplicação da Selic simples para correção monetária e juros de mora. Nem todas as ações transitadas em julgado adotaram esse índice. No cenário mais grave, a aplicação do IPCA mais juros de 1% ao mês levariam o montante para R$ 82 bilhões.
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O ano de 2026 é um marco importante porque é o último em que o governo pode quitar precatórios sem afetar as regras fiscais. É o que decidiu o STF quando afastou o teto de pagamentos dessas despesas entre 2022 e 2026, no julgamento das ADIs 7.047 e 7.064, que contestaram as Emendas Constitucionais 113 e 114, ambas de 2021.
Se o governo ultrapassar essa marca, as indenizações já definitivas do setor sucroalcooleiro ainda precisarão ser pagas, mas terão de se submeter às regras do arcabouço fiscal. Assim, elas impactarão as metas fiscais do governo, com possível compressão de outras despesas, o aumento do estoque da dívida e a quebra da confiança nesse recém-criado regime fiscal.
E vai ficar ainda mais caro. O parecer estima que, até 2030, a dívida para esses casos já definitivos vai alcançar, ao menos, R$ 87 bilhões pela aplicação da Selic simples e até R$ 118 bilhões no cenário de uso do IPCA e juros de 1% ao mês. Isso representa um encarecimento das indenizações entre 31,8% e 78,8%, segundo o estudo.
“Aproveitar a decisão do STF para honrar de imediato a dívida da União com o setor sucroalcooleiro significa, assim, uma relevante economia fiscal de até 24,2% (R$ 16 bilhões) frente ao pagamento em 2026, e de até 78,8% (R$ 52 bilhões) frente ao pagamento em 2030”, diz o documento.
Novas perícias encarecem a conta
O parecer ainda contesta a estratégia da AGU nesses casos, de exigir para os casos já definitivos a comprovação do efetivo prejuízo. Essa posição foi firmada pelo Superior Tribunal de Justiça em tese vinculante aprovada em 2015, que, no entanto, excluiu de sua incidência os casos que já haviam transitado em julgado com previsão de cálculo da indenização por outro meios.
Em diversos desses casos, a União vem tentando rescindir as sentenças definitivas por meio de ações rescisórias, para adequar o modo de cálculo, exigindo a comprovação do prejuízo efetivo. Essas tentativas têm sido repelidas pelo STJ. De acordo com o estudo do economista José Roberto Afonso, admitir essa revisão pode encarecer ainda mais a conta a ser paga pelo governo.
O documento cita 11 processos transitados em julgado e que passaram por novas perícias na etapa de liquidação, e conclui que houve um aumento médio das indenizações. Quando as perícias usaram o critério anterior (custos setorial/FGV), o aumento médio dos valores na etapa de liquidação foi da ordem de 580%. Já nos casos em que se considerou o novo critério de custos individuais, o aumento médio de valor chegou a 86%.
Essa diferença se deve a variados fatores como adição de novos períodos de danos após laudo original, juros e atualização monetária, correção de equívocos da base de cálculo, entre outros. No caso mais extremo, a nova perícia levou a aumento de 840% no valor da indenização, que saltou de R$ 546,1 milhões para R$ 5,1 bilhões. Esses dados constam em processos judiciais públicos.
Gestão do passivo da União
Além de afetar o desempenho fiscal do governo e encarecer a conta, a não quitação dessas indenizações pelo governo até 2026 ainda vai retirar a oportunidade de uma melhor gestão desse passivo, de acordo com o documento anexado ao processo no STF.
Uma das possibilidades levantadas é de trocar a dívida do setor por outros tipos de dívidas públicas, como a NTB-B, que é negociável em mercado, ou as séries especiais de NTN, que prevejam prazos de resgate ou possam ser usadas no pagamento de outorgas de concessão à União. Tudo isso mediante um desconto negociado no valor da dívida.
“É evidente que o pronto pagamento da dívida é a opção mais vantajosa do ponto de vista fiscal. Tal dívida terá que ser honrada em algum momento, o elevado custo financeiro incidente sobre seu estoque acarreta significativa expansão do valor devido pela União, agudizando o custo e o risco fiscal inerentes à ação em discussão há décadas”, diz o parecer.
Por outro lado, se a União sensibilizar o Supremo Tribunal Federal a reabrir a coisa julgada nesses processos, as consequências para o mercado serão negativas, com novas camadas de insegurança jurídica e desconfiança na atuação do poder público e o afastamento de investidores._
Duração do trabalho e remuneração são as maiores demandas do MPT
O Supremo Tribunal Federal se prepara para julgar, com repercussão geral, um dos temas mais espinhosos para a Justiça do Trabalho neste século: o reconhecimento de vínculo empregatício entre motorista de aplicativo de prestação de serviços de transporte e a empresa administradora de plataforma digital. O caso, envolvendo a Uber (que por si só já gerou o neologismo uberização) deve afetar uma parcela significativa da massa de trabalho brasileira, que atua não apenas na empresa, mas também em serviços de entrega de refeições e qualquer outra plataforma que se valha deste modelo de intermediação entre prestadores de serviço. Apesar de o caso no STF ser encabeçado diretamente pela Procuradoria-Geral da República de Paulo Gonet, que ainda não deu seu parecer, o Ministério Público do Trabalho já conhece bem a questão: até maio de 2023, eram mais de 17 mil processos do tipo na Justiça do Trabalho.
Página 120 (2) - MP 24
Os temas mais recorrentes abordados em processos do MPT
Ainda não há consenso sobre o tema: em dezembro de 2024, o TRT-2 (Grande São Paulo e litoral paulista) determinou que a iFood reconheça o vínculo com os entregadores que usam a sua plataforma. Em dezembro, a 14ª Turma do tribunal aplicou multa que pode chegar a R$ 10 milhões e mandou a empresa registrar todos os seus entregadores. A decisão, que contraria entendimento do STF, deve subir ao TST, onde a maior parte dos ministros já se manifestou de modo contrário ao reconhecimento de vínculo.
Apesar do retrospecto favorável às empresas pela maior parte dos ministros que já se manifestaram, o caso que o próprio TST encaminhou para a Suprema Corte apresenta argumentos que favorecem o reconhecimento do vínculo.
“Diferentemente dos táxis, em que o vínculo é estabelecido com os passageiros, o vínculo tanto dos passageiros, como dos motoristas credenciados, é com a Uber. Os motoristas ‘logados’ atendem aos chamados endereçados pelos passageiros à Uber”, escreveu o ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, do TST, na decisão. “Nessa toada, o argumento empresarial contestatório é desimportante, porque para a Uber pouco importa que o motorista tenha ‘autonomia’ para estar logado e deslogado, ou recusar corridas.”
Nessas águas, o MPT tenta desenvolver sua tese de defesa do vínculo empregatício. A Procuradoria do Trabalho de Campinas (PRT-15) chegou a desenvolver um site voltado à conscientização de trabalhadores de plataformas. Nele, os procuradores defendem o entendimento de que “quando o controle, a gestão, a organização, a supervisão do trabalho realizado e o lucro não pertencem ao trabalhador, ele é um subordinado e como tal é empregado e tem direitos do trabalho como descanso remunerado, férias, aviso prévio, jornadas não exaustivas, remuneração mínima, 13º salário, afastamentos em caso de doença ou acidentes e aposentadoria”.
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Composição e estrutura do MPT
O Ministério Público do Trabalho é um dos ramos do Ministério Público da União. Está estruturado administrativamente em 24 procuradorias regionais, que espelham a estrutura dos Tribunais Regionais do Trabalho. Conta com 782 membros, sendo 48 subprocuradores-gerais do Trabalho, que atuam junto ao TST, 142 procuradores regionais, que atuam nos TRTs, e 592 procuradores do Trabalho, que atuam nas varas e cuidam da atividade extrajudicial.
Com 31 anos de existência (desde a lei que regulamentou o Ministério Público pós-constituinte), o serviço a cargo do MPT cresce em simetria com o crescimento da Justiça do Trabalho, mas em escala bem menor. Enquanto a Justiça do Trabalhou recebeu 4,2 milhões de novos processos em 2023, o Ministério Público do Trabalho movimentou pouco mais de 450 mil processos. Uma das explicações para essa discrepância é que a Justiça lida com grande número de causas individuais enquanto o Ministério Público atua em casos de direitos difusos ou coletivos. Mas este entendimento pode estar mudando.
Em um caso relevante neste 2024, o Tribunal Superior do Trabalho garantiu a legitimidade do Ministério Público em ajuizar ação civil pública para cobrar pagamento de salários atrasados, verbas rescisórias, multa do artigo 477 da CLT, homologação de distrato, astreintes e indenização por dano moral individual. O grupo de pessoas envolvidas foi caracterizada como de “interesses individuais homogêneos” previstos no artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor. “Uma vez verificado o desrespeito a quaisquer dos direitos sociais constitucionalmente garantidos, o Ministério Público do Trabalho estará legitimado para propor ação civil pública.”
O MPT também logrou êxito na ação civil pública em que requeria a condenação da parte contrária em danos morais coletivos, ao deixar de cumprir as normas trabalhistas relativas ao intervalo intrajornada e pagar as verbas rescisórias de forma destoante e intempestiva. Para o TST, a ação da empresa configurou afronta à coletividade. De acordo com os dados do MP Um Retrato, em 2023, a instituição encabeçou mais de 61 mil inquéritos civis, que são procedimentos investigatórios instaurados para descobrir se um direito coletivo foi violado.
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José de Lima, o PGT no biênio 2023-2025
Parte desses direitos envolve uma chaga supostamente extinta no Brasil desde 1888: embora a Lei Áurea seja mais antiga que a própria República, é o MPT que tem de ir atrás de casos de trabalho análogo à escravidão. Em 2023, em um dos casos de repercussão nacional, 210 pessoas foram resgatadas de condições degradantes na cidade de Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul. A maioria delas era proveniente de cidades da Bahia, cumpriam tarefas exaustivas e dispunham de um único estabelecimento para fazer compras, onde os produtos eram caros e os valores eram debitados direto de seus salários. Com o trabalho conjunto do MPT com o Ministério do Trabalho e Emprego e a Polícia Rodoviária Federal, essas pessoas foram liberadas e um termo de ajuste de conduta foi celebrado.
Em julho de 2024, o Ministério Público do Trabalho de Caxias do Sul conseguiu decisão favorável em pedido de tutela de urgência em uma ação civil pública relacionada a outro caso de trabalho análogo à escravidão. A decisão emitida por Vara do Trabalho de Vacaria concedeu liminar de obrigação de fazer e não fazer para evitar novas irregularidades. Os trabalhadores de uma propriedade de cultivo de maçãs estavam alojados em condições degradantes e endividados por obter itens básicos de higiene.
Em agosto, o MPT esteve em uma operação de liberação de 82 trabalhadores em condições análogas à escravidão em uma fazenda de verduras em Itapeva, no interior paulista. Em outubro, 130 trabalhadores foram resgatados de condições análogas à escravidão na cidade de Jeriquara, também no interior de São Paulo. A procuradora Regina Duarte da Silva celebrou TAC com o empregador, que se responsabilizou pelo pagamento de verbas rescisórias no valor aproximado de R$ 260 mil, além de se comprometer a cumprir uma série de obrigações trabalhistas, sob pena de multa por descumprimento.
Em dezembro, o MPT em São Paulo ajuizou ação contra a Volkswagen do Brasil, por supostamente ter se beneficiado de trabalho escravo em uma fazenda no Pará, na década de 1970. A empresa, que já admitira sua colaboração com a ditadura militar, negou os fatos e repudiou a denúncia.
Sobre a escala 6×1 – um assunto que deve esquentar em 2025 no Congresso Nacional — o MPT se manteve discretamente longe do centro do debate. Como o tema é regulamentado e de discussão no âmbito da Câmara dos Deputados e do Ministério do Trabalho, o MPT se reservou a apenas participar de algumas reuniões e audiências sobre o tema.
Ainda no segundo semestre de 2024, uma frente de atuação do MPT foi o combate ao assédio eleitoral — definida como a tentativa de “influenciar ou manipular voto, apoio, orientação ou manifestação política de trabalhadores e trabalhadoras no local de trabalho ou em situações relacionadas ao trabalho”. Em abril, o Conselho Nacional do Ministério Público editou recomendação onde articulou a ação para evitar este crime eleitoral.
“Da outra vez os assediadores estavam tão confiantes, ou tão fora da realidade, que faziam o assédio e divulgavam em redes sociais”, disse o procurador-geral do Trabalho José Ramos Lima Pereira ao jornal O Estado de São Paulo em setembro, referindo-se às eleições presidenciais e majoritárias de 2022. “Hoje está mais velado”, continuou, em alusão ao pleito de 2024.
Ao jornal, o procurador disse haver uma espécie de lista com “quem assedia mais”, mas que a mudança de perfil dificultou encontrar o criminoso eleitoral. “[Este ato] passou a ser mais escondido, porque o assediador é covarde”, disse Pereira ao jornal. O esforço surtiu efeito: enquanto em 2022 foram registrados 2.360 denúncias contra 1.808 empresas, até o segundo turno das eleições municipais de 2024 foram 839 denúncias contra 29 empresas, queda de quase 65% no total de casos._